Um grupo de 30 deputados apresentou um projeto de lei para regulamentar a Cesta Básica Nacional de Alimentos (CeNA) — prevista na Emenda Constitucional 132, que trata da reforma tributária aprovada no fim do ano passado.
Proposto inicialmente pelo deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), o Projeto de Lei Complementar (PLP) 35/24 lista os alimentos que, na prática, serão isentos de impostos no novo sistema de cobrança de tributos.
Segundo o texto da reforma, a CBS, novo tributo federal — e o IBS, novo tributo de estados e municípios — serão zerados sobre os itens da CeNA. No entanto, cabe a uma lei complementar relacionar quais produtos vão contar com a isenção.
Professor do Ibmec-RJ e contador, Paulo Henrique Pêgas discorda do conteúdo da proposta. “É um reflexo do que é o Brasil. É um país muito difícil. É um projeto de lei completamente desproporcional, fora de lógica, na contramão do que a reforma tributária pregou”, critica.
Para ele, que também é membro do Comitê de Reforma Tributária do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), o texto é pouco interpretativo, algo positivo, mas peca por dar margem para a isenção de itens que deveriam ser tributados.
“Quer incluir tudo de proteína animal com alíquota zero. Aqui o cara está incluindo lagosta, salmão, picanha, filé mignon. Será que faz sentido ter alíquota zero para isso tudo? Isso é Cesta Básica Nacional?”, questiona.
Segundo o tributarista Guilherme Di Ferreira, a lista é genérica, o que pode abrir espaço para dúvidas a serem resolvidas na justiça — algo que se quer diminuir no novo sistema.
“As grandes discussões que a gente tem no judiciário quando se trata de direito tributário é em cima de leis complementares. Quanto mais específica uma lei for, melhor. Ela não especificou cada ponto, e isso pode gerar discussões no judiciário. Poderiam ser mais taxativos: dentro do milho, tal produto terá o IBS zerado”, analisa.
De acordo com o PLP, o Imposto Seletivo — chamado também de “Imposto do Pecado” — não poderá incidir sobre a cesta. Esse tributo foi criado para desestimular o consumo do que será considerado prejudicial à saúde e ao meio ambiente, outro assunto que será regulamentado por lei complementar.
Pêgas discorda da isenção do Imposto Seletivo sobre os itens tidos como prejudiciais à saúde, como ultraprocessados. “Tem um movimento forte da sociedade médica que quer cobrar Imposto Seletivo sobre ultraprocessados. A medicina vem alertando o tempo todo. O cara tá dando alíquota zero para tudo que é ultraprocessado: pão de forma, bolo, margarina”, critica.
Os parlamentares afirmam que a lista de alimentos proposta atende ao texto constitucional ao considerar a diversidade regional e cultural do país.
“Eles tentaram abarcar a maior quantidade de produtos, porque o Brasil é muito grande e muito plural. Tem produtos que são essenciais em uma parte do país, que não são em outras e vice-versa”, avalia Di Ferreira.
Guilherme Lordes, 25, morador de Samambaia Sul, no Distrito Federal, concorda que alimentos que fazem parte do dia a dia dos brasileiros tenham tributação diferenciada. Ele defende a isenção para toda a população, mas que o mecanismo seja garantido, primeiramente, para as famílias de baixa renda.
“Aqueles que são mais necessitados deveriam ter o direito à cesta básica sem imposto, porque aquela pessoa que tem melhor condição financeira consegue fazer uma compra no mês que outra que passa necessidade não consegue pagar. Ela depende muito da cesta básica.”
O projeto de lei garante a isenção para os alimentos destinados ao consumo humano ou utilizados na industrialização de produtos que se destinam ao consumo humano.
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Confira a lista completa abaixo.
- Proteínas animais, incluindo carne e demais produtos comestíveis frescos, resfriados, congelados, salgados, secos ou temperados, resultantes do abate de aves, leporídeos e gado bovino, bufalino, caprino, ovino e suínos — além de peixes, crustáceos e outros invertebrados aquáticos;
- Leite e laticínios, independentemente da forma como apresentados, inclusive soro de leite, leite em pó, integral, semidesnatado ou desnatado, leite fermentado, bebidas e compostos lácteos e fórmulas infantis, assim definidas conforme previsão legal específica, queijos, manteiga, requeijão e creme de leite;
- Margarina;
- Ovos de aves e mel natural;
- Produtos hortícolas, frutas e hortaliças;
- Café, chá, mate, especiarias e infusões;
- Trigo;
- Farinhas de trigo, rosca e mandioca;
- Milho;
- Farinhas de milho, tais como fubá, gritz de milho, canjiquinhas e flocos de milho;
- Demais farinhas derivadas de cereais e féculas, raízes e tubérculos;
- Pães, biscoito, bolos e misturas próprias;
- Massas alimentícias;
- Molhos preparados e condimentos;
- Açúcares, sal, óleos e gorduras;
- Arroz, feijão e pulses;
- Sucos naturais sem adição de açúcar e conservantes;
- Água mineral, natural ou potável, que tenha sido envasada, com ou sem gás;
- Castanhas e nozes (oleaginosas).
Tributação sobre a cesta básica atual
Segundo Pêgas, no sistema tributário atual há várias leis com alimentos que são isentos de impostos federais, como o PIS e a Cofins. Itens como pão, café e leite são livres de impostos. O problema está no alto grau de discricionariedade.
“Tem um grau de complexidade grande. Se você comprar um leite em pó, a alíquota é zero. Se comprar um Nescafé, alíquota zero, mas tem uma coisa chamada café com leite moído. Esse tem tributação”, exemplifica.
A nível estadual, cada um concede isenções do ICMS para determinados produtos. “A carne, na maior parte dos estados, é alíquota zero, mas tem estado que é todo tipo de carne, de primeira, de segunda; e tem estado que é só a carne de segunda, como o pessoal chama”, completa.
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil