No momento em que novos prefeitos cumprem os primeiros dias de seus mandatos, ou mesmo antigos foram reeleitos e permanecem no desafio. A opinião de um especialista para saber se há algo que as prefeituras possam fazer para ajudar a equacionar problemas de segurança pública, algo que causa preocupações principalmente na microrregião Noroeste do Espírito Santo, a única do Estado onde nenhum município reduziu o número de homicídios em 2024.
As estatísticas demonstram que a microrregião, em torno de Barra de São Francisco, com pouco mais de 100 mil habitantes em cinco municípios que compõem a área 11 das Ações Integradas de Segurança Pública (AISP), teve apenas um homicídio a menos, por exemplo, do que a AISP 08, que tem sete municípios, em torno de Colatina, com mais de 221 mil habitantes. Sem contar que registrou uma das mais graves ocorrências de 2024 no interior, um assalto a uma fazenda em Ecoporanga com roubo de mais de R$ 300 mil.
O número de homicídios em Barra de São Francisco, Água Doce do Norte, Águia Branca, Mantenópolis e Ecoporanga aumentou 20,58% em 2024 em relação a 2023. A Região Integrada de Segurança Pública Noroeste, composta por 20 municípios, reduziu em -5,9% o número de homicídios, de 135 em 2023 para 127 em 2024. São três AISP.
Além da AISP 11 (11º Batalhão da PM e 14ª Delegacia Regional da Polícia Civil), que aumentou, há a AISP 02 (Nova Venécia, Pinheiros, Ponto Belo, São Gabriel da Palha, Montanha, Mucurici, Boa Esperança e Vila Pavão), com 166 mil habitantes, que manteve os mesmos 44 homicídios de 2023, e a AISP 08 (Colatina, Baixo Guandu, Alto Rio Novo, São Domingos do Norte, Pancas, Governador Lindenberg e Marilândia), com 221,8 mil habitantes, com redução de -26,31%, de 57 em 2023 para 42 homicídios em 2024. Somente Marilândia aumentou, mas de zero no ano anterior para um no ano passado.
SEGURANÇA COMO PRIORIDADE
O que pode ser feito pelas prefeituras na Segurança Pública é uma síntese da entrevista que deu ao Band nas Eleições o coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo José Vicente da Silva Filho, ex-Secretário Nacional de Segurança Pública, membro do Instituto Brasileiro de Segurança Pública, do Conselho da Escola de Segurança Multidimensional da USP e também do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Segundo José Vicente, a segurança pública roubou o lugar da saúde e da educação como principal preocupação da população em todos os grandes municípios, mas o prefeito não tem o poder de transformar a segurança, “porque isso é um papel do governador”. Entretanto, salienta que há muita coisa que pode ser feita pelas Prefeituras. Durante a campanha política, candidatos fizeram muitas promessas enganosas, segundo o coronel.
“Os candidatos de maneira geral dão resposta que a população quer ouvir. Prometem gente armada, com cara feia para espantar bandido, porque resumem a segurança pública ao medo da população em relação à violência. Em geral, as pessoas têm medo de morrer em assalto, mas é raro morrer em assalto. No primeiro semestre do ano passado, São Paulo registrou 90 mil assaltos com 17 casos de mortes, mas no mesmo período morreram 311 pessoas em acidentes de trânsito, 11 vezes mais do que em assalto, mas ninguém tem medo de morrer no trânsito”, disse José Vicente.
A política de tolerância zero adotado em Nova York e Chicago nos anos 80 e 90 para controlar os altos índices de criminalidade é frequentemente citado em situações de violência ascendente. José Vicente conhece bem o assunto e ressalva que, numa cidade onde o chefe de Polícia despacha com o prefeito, Rudolphi Giuliani trocou 80% da cúpula da polícia.
“A Guarda Municipal é a força do prefeito aqui entre nós, onde algumas grandes cidades ressentem a gestão local mais próxima do cidadão. Voltando a Nova York, comparando com São Paulo, por exemplo, a cidade americana tem mil quilômetros quadrados, São Paulo tem 1.500; Nova York tem 9 milhões de habitantes, São Paulo tem 12 milhões; Nova York tem 35 mil policiais, mais 20 mil pessoas trabalhando na segurança. Em São Paulo, se juntarmos tudo, PM, Polícia Civil, Guarda Municipal, não chegamos a 40 mi . Então, muitas vezes a fala dos políticos é para atender ao medo irracional de morrer na rua, que afeta dois terços das pessoas tanto em Salvador, a capital mais violenta do País, quanto em São Paulo, a menos violenta”, observou o coronel.
PROTAGONISMO DOS MUNICÍPIOS
Em algumas cidades, como São Paulo, concorda o José Vicente, falta um protagonismo maior, uma gestão mais ambiciosa na segurança pública, “só que as pessoas confundem segurança pública com polícia, quando há um leque de política e recursos municipais importantíssimos com impacto na segurança”. Numa conversa com o prefeito de Salvador durante um evento, José Vicente ouviu dele que houve uma redução da violência em alguns bairros problemáticos quando expandiu a iluminação de qualidade na cidade, principalmente próximo a pontos de ônibus: “Isto é prefeitura”.
O coronel José Vicente da Silva Filho reafirma que a prefeitura pode ter uma atuação proativa na prevenção da violência, e que isso é muito mais do que aumentar o efetivo da Guarda Municipal. Prevenir é área que prefeito precisa aparecer mais do que aumentar efetivo da Guarda Civil Militar, embora veja nessas corporações um papel importante.
“O prefeito não pode prometer enfrentar o crime organizado e nem armar guardas municipais com fuzis, armamento pesado para enfrentar o crime violento. Isso não é papel da prefeitura e nem da GM. É necessário um trabalho conjunto. Ir atrás de criminosos não é papel da Guarda Municipal, que, entretanto, tem um papel adicional importante, atendendo nas praças, nas escolas, nos postos de saúde, em rondas dissuasórias. São Paulo, por exemplo, tem mais de 4 mil escolas, mil unidades de saúde, 103 parques. Só isso já absorve a guarda. Se espera ronda escolar, proteção dos alunos, etc.”
TRABALHO CONJUNTO
O que é importante, segundo José Vicente, é um trabalho conjunto das Polícias e das Guardas: “Eu sei que as polícias estaduais são difíceis de lidar. Eu conversei com São Bernardo do Campo, São Caetano, Barueri, em São Paulo, onde as Guardas são comandadas por coronéis reformados e o que mais ouvi deles é que a Polícia Militar não colabora com a segurança das cidades, então é preciso sentar junto os atores e debater a solução para isso”.
Sempre defendendo a integração e as GCMs e as polícias, José Vicente enfatiza que, muitas vezes, como no caso da Cracolândia de São Paulo, é necessário articular agências municipais e estaduais “Usar a inteligência, policiamento ostensivo, investigação, prisão de traficantes. A GCM e a estrutura do município e do estado vão cuidar do social e da saúde das pessoas. Ficar correndo atrás de usuários e de pequenos traficantes não é eficaz”.
Segurança pública requer plano estratégico, argumenta o coronel José Vicente. “Voltemos a São Paulo, que tem população maior do que Portugal, o dobro da Suécia e da Dinamarca. Eu estive em Portugal e lá a gente não se preocupa com segurança. É esse estado que precisamos buscar, com uma estrutura articulada, intencionalmente planejada, mas o que temos é que município e Estado pouco se falam”.
“Eu comandei batalhão no interior e vi a dificuldade do Estado para abrir suas estruturas e levar prefeituras a discutir seus problemas. O governador ninguém sabe onde mora, mas o prefeito e os vereadores todo mundo sabe e é sobre eles que recai a pressão, que é natural e é bom, porque é pressão por resultado”, salientou.
SEGURANÇA É AUSÊNCIA DE MEDO
Segurança pública, reafirma José Vicente, é quase ausência de medo, “e é essa a sociedade que temos que construir, e isso não será feito com tropas especiais”, acrescentando: “Fica evidente que temos necessidade de dar respostas mais eficientes na área urbana. Temos violência estremada no Norte e Nordeste, a Bahia está trágica com o tráfico. No Sul e Sudeste estão indo razoavelmente bem. O que falta é aquilo que vocês noticiam sempre, o sujeito com dezenas de passagens policiais, é detido, vai para uma audiência de custódia e, por falta de instrumentos para ser diferente disso, volta para a rua para delinquir de novo. Criminosos de alta reincidência precisam ser brecados por instrumental que não temos no momento”.
Uma coisa é certa para o ex-secretário nacional de Segurança Pública: “As prefeituras têm que se articular com as polícias e atuarem na prevenção. Um aluno meu do curso de mestrado compartilhou o caso de um bairro onde havia uma rua marcada por muitos estupros. Foram ouvir a população e pediram para aumentar a iluminação, porque as mulheres estacionavam para ir ao metrô e voltavam tarde. Melhoraram a iluminação e colocaram duas mãos no trânsito, aumentando o movimento e aquilo que chamamos de vigilência social e os estupros sumiram”.
Outro exemplo de ação que promove mudança são as escolas de tempo integral, segundo o coronel: “São escolas de qualidade que vão mudando a periferia. Em São Paulo temos o caso do Capão Redondo, que hoje tem 400 mil habitantes. Em 1998 fiz uma pesquisa em São Paulo e registramos no Capão Redondo 190 homicídios para 320 mil habitantes. Hoje, 25 anos depois, reduzu para menos de 30 homicídios e com 400 mi habitantes. E numa periferia brava. Então, é possível”.
Numa universidade de Nova York o coronel da reserva conta que ouviu de um professor que se tem menos violência nas ruas isso forma menos pessoas violentas, porque estudos científicos comprovam que pessoas expostas à violência ficam sensíveis à prática da violência.
“A realidade em São Paulo é que, quando comparamos 1998 com 2014, a redução de homicídios foi de 88%, a de roubo e furtos de veículos foi de 57%, mas as pessoas estão com medo ainda. Agora, eles trocaram tudo pelo roubo de celular, são novos desafios. Prefeitos e governadores precisam sentar um pouco mais. Em Pernambuco, Recife e Cabo de Santo Agostinho têm problemas grave, Ceará tem altos índices de violência, e a Bahia tem 10 cidades entre as 20 mais violentas do País. Se não sentar e conversar, vai piorar”, avalia.

FALTA DE LIDERANÇA
Coronel José Vicente avalia que o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) é uma daquelas boas ideias que ficam no papel, porque não achamos pessoas com competência de liderança para levar isso à frente” e faz uma observação importante sobre o foco das prefeituras em instalar centrais de videomonitoramento por câmaras:
“É importante que as prefeituras assumam preocupação de entender o que está acontecendo em suas cidades, existem centrais integradas bem montadas em Aparecida de Goiânia, em São José dos Campos há duas décadas, em cidades menores como Guararema, aqui em São Paulo, para controle de movimentação, monitoramento e interagir com a PM. O que é interessante é que não deve ser fetiche tecnológico. A Bahia investiu R$ 600 milhões em tecnologia, daria para fazer uma revolução na segurança. Vão alegar que prenderam 200, mas não resolveu. Então, são instrumentos importantes, mas são apenas instrumentos e com eles estão prometendo muito mais do que vão entregar. Há 200 mil presos em regime fechado e 300 mil em regime aberto, que praticam 30% dos assaltos da cidade. Passam pelas câmaras de videomonitoramento e não acontece nada”.
Para Vicente, as câmaras podem servir para monitorar esses indivíduos para ver se estão cumprindo as regras, mas não vai catar um monte de bandidos. “Em São Paulo quem mais captura bandido é o Poupa Tempo, onde o sujeito chega para pegar um documento e é descoberto com prisão em aberto. Mais eficaz é a integração, como o sistema Córtex que o governo federal, na gestão passada, implantou e que conjuga vários bancos de dados articulados. Está se articulando que os arquivos de biometria da Justiça Eleitoral sejam integrados a um sistema, então será eficiente. É mais uma fonte de dados. Câmara com reconhecimento facial tem um problema: quando está bom, tem 80% de acerto, e 20% de erro nesse caso é muita coisa”.
CÂMARAS CORPORAIS: SIM
E sobre a polêmica do uso de câmaras corporais por policiais o coronel da reserva é totalmente favorável. “E não apenas nos policiais, mas também em professores, médicos, em que atende o público. Porque induz induz a fazer o que é devido fazer pela regulação. Policiais também têm essas regras, as GMs também”.
“A câmara corporal induz à correção do trabalho que é difícil, porque, se o sujeito não tomar cuidado na execução da missão pode morrer por causa disso. Temos casos de policiais que não cumpriram normas na abordagem e morreram. Então, quem puder colocar câmara corporal em seus profissionais, coloque. Vai melhorar o comportamento e vai ser bom para todo mundo”.
Por fim, o coronel José Vicente da Silva Filho enfatizou que muita coisa pode ser feita com rapidez “e temos que buscá-la, porque, apesar de a grande tragédia do distanciamento de estratos elevados com os menos favorecidos se reproduzir em todo o País, há estados que vão muito bem”. Mas José Vicente rebate na tecla de que não é aumentando o número de guardas que se vai resolver o problema da segurança:
“Amazonas e Roraima são os estados que têm mais policiamento no Brasil em relação à população, cinco vezes mais que São Paulo, e ainda assim são mais violentos. O Nordeste tem 30% mais policiamento do que São Paulo e é mais violento. Então, o problema é de competência politica e administrativa nas estruturas que cuidam da segurança”.