*João Pessoa Araújo Júnior / The Conversation
A experiência dramática da pandemia de Covid-19 evidenciou, para os brasileiros, a necessidade de o país dispor de planos de contingência e infraestrutura para enfrentar novas ameaças biológicas, ainda que a sua ocorrência possa parecer improvável ou remota.
Com muito pragmatismo, a pergunta que nós, pesquisadores, nos fazemos na atualidade não é mais se enfrentaremos novos patógenos perigosos, mas quando eles irão aparecer e com qual magnitude.
O Brasil parece ter entendido o recado e está dando um passo estratégico ao investir na criação do primeiro laboratório de biossegurança máxima (nível NB4) da América do Sul, Central e Caribe.
Batizado de Orion, o complexo de máxima contenção biológica será também o primeiro laboratório NB4 do mundo a funcionar de modo integrado com uma fonte de luz síncroton. A importância disso é tão grande que vale ser bem entendida.
Orçado em R$ 1 bilhão, o novo laboratório Orion ficará sediado no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas, no interior de São Paulo. Vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o Orion abrigará instalações NB4 e outros laboratórios com níveis diferentes de biossegurança.
Para lidar com patógenos altamente perigosos, o laboratório NB4 tem sistemas de filtragem de ar para impedir a fuga desses agentes, equipamentos de proteção individual específicos, rígido treinamento de pessoal e controle rigoroso do acesso, entre outros procedimentos de segurança máxima.
Já os laboratórios NB3 (Nível de Biossegurança 3) são projetados para estudar agentes biológicos que podem causar doenças graves em seres humanos e para os quais ainda não há vacina ou tratamento.
As instalações NB2 são voltadas ao estudo de agentes biológicos que podem causar doenças em humanos, mas cujo risco de propagação é limitado. São mais comuns em ambientes acadêmicos e hospitalares.
Os laboratórios NB1 (Nível de Biossegurança 1) trabalham com microrganismos que têm mínima probabilidade de se disseminar e causar doenças em humanos.
O novo complexo Orion vai integrar todas essas capacidades tecnológicas com três das 38 linhas de luz Síncrotron que o acelerador de partículas Sirius terá quando estiver concluído.
O Sirius é o maior projeto científico brasileiro em andamento. Trata-se de uma fonte de luz de quarta geração, um tipo especial de radiação eletromagnética produzida por partículas (como os elétrons) aceleradas a velocidades próximas à velocidade da luz. Clique aqui para um tour virtual pelo Sirius.
As características dessa radiação permitem obter informações detalhadas sobre a estrutura e composição da matéria em diversas escalas. Dá para acompanhar em tempo real, por exemplo, as mudanças em uma célula infectada por um patógeno enquanto elas estão acontecendo.
Isso inaugura um universo de possibilidades em diversas áreas de pesquisa, desde a saúde até tecnologias para agricultura, meio ambiente, energia e materiais mais sustentáveis.
Sou um entusiasta desse projeto por diversos motivos desde o primeiro momento e fui convidado a comentar aspectos da planta e equipamentos necessários. Além de ter recursos muito avançados, o complexo Orion oferecerá também cursos de treinamento para os pesquisadores interessados em trabalhar com todos os níveis de biossegurança.
A estrutura dará suporte aos pesquisadores de laboratórios de diversos níveis de biossegurança em atividade no mesmo complexo. O modelo também permitirá que pesquisadores selecionados por editais tenham acesso a equipamentos sofisticados e de custo elevado, esboçando um modelo de laboratório multifuncional e descentralizado.
E mais: sua realização está promovendo a discussão e a colaboração entre instituições como o Instituto Koch, na Alemanha (com um acordo para planejamento, construção, operação e avaliação), Fiocruz, Instituto Butantan, universidades e Ministério da Saúde e Ciência e Tecnologia, entre outros.
A associação entre o Orion e o Sirius não apenas coloca o Brasil em destaque na pesquisa científica global, mas fortalece de maneira ímpar a capacidade de estudo e prevenção de patógenos e desafios emergentes no país e na região.
Menos conhecidos fora dos laboratórios de pesquisa, alguns patógenos de alta periculosidade foram já identificados no Brasil e na América Latina.
Nos anos 1990, ocorreu a primeira descoberta de um vírus muito agressivo no Brasil. Denominado Sabiá (SABV), é transmitido por roedores silvestres e pode causar a febre hemorrágica brasileira, patologia de alta letalidade. Mesmo sendo raro, dois casos foram diagnosticados em São Paulo em 2019.
Tanto a análise e como o diagnóstico dos casos de contaminação pelo Sabiá foram realizados nos Estados Unidos, onde estão armazenadas as amostras conhecidas do vírus SABV. Essa dependência da infraestrutura norte-americana é resultado da falta de instalações adequadas no Brasil para a manipulação e as análises desses vírus muito perigosos. A construção do Orion muda esse panorama.
Além do Sabiá, outros vírus de nível 4 foram identificados na América Latina e Central, como o Junín, o Guanarito e o Machupo, agentes de febres hemorrágicas. Esses patógenos são fonte de preocupação e requerem uma resposta robusta de pesquisa e vigilância para mitigar os riscos à saúde pública na região.
A questão ambiental é mais um fator que reforça a importância da construção do complexo Orion.
O desmatamento contínuo e a degradação ambiental, que estão abrindo clareiras e forçando a aproximação entre a biodiversidade do ambiente natural e as áreas urbanas, pode elevar os riscos de surgimento de novos agentes patogênicos.
Essa situação realça a necessidade de compreender a biossegurança como uma prioridade ainda mais central.
Texto escrito por João Pessoa Araújo Júnior, Professor titular de Microbiologia e coordenador do Laboratório de Virologia e Diagnóstico Molecular do Instituto de Biotecnologia (IBTEC), Universidade Estadual Paulista (Unesp)
Este artigo foi republicado de The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.