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A imprecisão como cultura brasileira, por João Gualberto

*João Gualberto Vasconcellos  Para um brasileiro, o pedido é fácil de ser entendido: se escolhidos os maiores tomates, serão três; se os menores, quatro. É...

A imprecisão como cultura brasileira, por João Gualberto

*João Gualberto Vasconcellos 

Para um brasileiro, o pedido é fácil de ser entendido: se escolhidos os maiores tomates, serão três; se os menores, quatro. É simples assim para nós.

Quando um feirante nos atende bem, gentilmente, e diz que pesou um quilo bem pesado, como se houvesse a possibilidade de termos um quilo mal pesado, também achamos normal.

Sabemos lidar bem com essas imprecisões que nos cercam. É uma espécie de código de conduta, de comportamento. Cada sociedade tem um desses mapas de navegação social.

Outra coisa: os números das estatísticas nos dizem pouco, quando lidamos com eles.

Não me refiro, obviamente, aos matemáticos ou aos que se dedicam aos fazeres mais exatos. Quanto à maioria, somos capazes de repetir números e cifras que não fazem sentido, sem prestar atenção, sem muito cuidado.

Em tempos de redes sociais essa imprecisão – que é traço cultural – nos leva a compartilhar mensagens sem refletir sobre seu conteúdo. É claro que as fake news existem em todos os países do mundo.

Sabe-se que os mais idosos, que são mais analógicos, podem passar adiante coisas absurdas em qualquer cultura. A nossa falta de cuidado com números e dados, porém, facilita muito a propagação de informações imprecisas, exageradas ou simplesmente mentirosas.

Há também entre nós uma clara tendência ao exagero. As formas de expressão verbal carregam isso, como quando se diz estar “morrendo de saudades de alguém”, ou “morrendo de fome”, ou ainda quando contamos a um grupo de amigos ou familiares que assistimos a um acidente de carro e dizemos que um deles “ficou destruído”. Na maioria das vezes o nível dos estragos não levou à destruição total do veículo.

O que quero argumentar é que esses elementos pouco precisos ou exagerados – no fundo duas faces da mesma moeda – estão presentes em nosso cotidiano desde que nascemos e sequer nos damos conta deles.

Isso faz com que naturalizemos elementos que parecem estranhos a quem não foi socializado como nós.

Temos uma forma, no fundo, pouco exigente de lidar com a verdade, profícua em produzir fantasias.

Em um mundo onde a velocidade da informação não nos permite pensar muito antes de tomar a decisão de aceitar ou não algo que nos chegou pelas redes sociais, esses elementos culturais ampliam a capacidade das falsas notícias contaminarem toda a sociedade.

É claro que em quase todos os países existe hoje uma grande tendência em banalizar as informações. É uma armadilha perigosa na qual muitos caem. Esse mesmo fenômeno, entretanto, tem expressões diferentes nas várias sociedades do mundo.

Já li que no Japão, historicamente, os cidadãos conferem a informação antes de passá-la adiante, por isso lá as fake news não prosperam tanto quanto em lugares onde as pessoas são menos exigentes com a verdade, como Brasil.

Em tempos de redes sociais tendemos a reproduzir muita bobagem, coisas inverídicas ou simples fofoca.

Ah! Já ia esquecendo, adoramos uma intriga, um comentário maldoso. Nós, brasileiros, rimos disso com facilidade. Outro traço cultural.

Creio que estamos entrando em tempos difíceis, como já registrei em outro texto nesse mesmo espaço. Tempos em que os donos do poder no mundo digital têm muito pouco interesse em verdades e precisões, e o que temos visto nos últimos dias nos leva a pensar melhor no assunto. No Brasil os estragos tendem a ser bem maiores do que em outras sociedades. Pior para nós.

*João Gualberto Vasconcellos é cientista político, professor emérito da Ufes 

A imprecisão como cultura brasileira, por João Gualberto

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