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A terra em chamas, mudanças climáticas e sobrevivência

Erly dos Anjos*

Os frequentes e avassaladores incêndios que se alastram de norte ao sul no país e até em nosso estado, a aniquilação de biomas e secas de rios, logo após os danos provocados pelas enchentes no Rio Grande do Sul, mostram que estamos diante de uma crise climática sem proporção e que põe em risco nossa própria existência na Terra.

Pelo menos esta é a conclusão que se chega ao ler: “O Decênio Decisivo” de Luiz Marques (Elefante, 2023). É um livro literalmente de tirar o fôlego.

Numa análise científica, rigorosa e enriquecida com dados e referências que estão na fronteira do conhecimento acerca dos impactos das mudanças climáticas sobre a vida humana, animal e vegetal, nos põe em xeque e traz (confesso) um desconforto existencial.

Sua leitura nos remete àquela fatídica reunião ministerial no governo Bolsonaro quando se cunhou a frase: “temos que abrir a porteira e deixar a boiada passar”. Foi quando ficamos sabendo do desmonte de normas e leis que nos garantiam, ainda que precariamente, a manutenção, proteção e fiscalização de recursos naturais e da nossa sobrevivência, notadamente, dos povos originários.

O pior é que até hoje não se conseguiu ainda restaurar a contento e nem aplicar as medidas planejadas no início do atual governo. Fala-se agora da criação de fato de uma “autoridade ambiental” e de esforços para combater em massa os incêndios, mas o fogo não espera.

Ainda temos pendências na área ambiental, mas com mais quatro anos de “desgoverno”, teríamos muito menos que um decênio! Há notícias da continuidade do garimpo ilegal, da contaminação de rios por metais pesados e por agrotóxicos, de desmatamentos criminosos que ficam impunes, da destruição permanente dos cerrados pelo agronegócio e do fortalecimento do crime organizado por facções poderosas.

O movimento, portanto, de reconstrução social e ambiental que se desenhou no período de transição do governo, tem ainda muito que fazer e é urgente.

Basta olhar as manchetes, na mídia em geral, para se constatar que, por exemplo, as fumaças que formam uma névoa no horizonte não têm nada a ver com o clima frio. São resultantes direto das queimadas que se alastram num corredor vindo do norte, centro oeste e sudeste.

Já ardem aos olhos e dificultam a respiração dos mais vulneráveis em todo o território nacional e até em países vizinhos. Como chegamos a este ponto trágico de não retorno? Procura responder o autor.

Há uma citação, neste livro, que diz tudo: “destruir uma floresta tropical para obter ganho econômico é como queimar uma pintura do Renascimento para cozinhar uma refeição”. Estamos numa bifurcação e não temos outra década para desperdiçar com dúvidas e inanição. Tudo depende da política, de ações e uma transformação civilizacional.

Há comprovações robustas que chegamos a um ponto de convergência em que não há mais retorno. As relações dos homens com o sistema Terra estão inextricavelmente ligadas às relações dos homens com os homens e destes com a Natureza. Não existem separações de partes de um todo a considerar.

O aquecimento dos oceanos a mais de 1,5º C já compromete a destruição de vilas e cidades costeiras, ilhas e da vida marinha. Não há mais retorno e o que se pode fazer é reprogramar novas habitações e novos modos de viver no planeta.

Mas muito pouco ou quase nada vem sendo feito ou por conta da persistência de uma visão negacionista, da ignorância e a teimosia com a insistência de modelos ultrapassados, ou pela soma de tudo isso.

O fato é que há pouco tempo para agir e o caminho é político, não necessariamente econômico e ideológico.

O autor, que fala pouco de ideologias ou da defesa de uma ou de outra vertente, o que é salutar ouvir e faz propostas para uma política de sobrevivência. Como o de superar o axioma da soberania nacional absoluta por um novo princípio de soberania relativa, pois o fogo e a fumaça não respeitam fronteiras e nem classe social.

É preciso um novo pacto político diante da urgência do aquecimento global. Veja como isso pode alterar tudo o que tínhamos pensado no campo filosófico e científico. É preciso uma ação imediata e coletiva para evitar que a catástrofe seja ainda maior. O momento presente é o mais crucial de nossa história como espécie, afirma o autor.

Um assunto que merece mais debates e estudos, mas não se pode deixar de constatar que agenda ambiental e os planos para lidar com este “novo normal” tem que constar na conta de quem pretende tomar posse de cargos políticos e institucionais.

*Erly Euzebio dos Anjos é sociólogo, professor aposentado da Ufes.

A terra em chamas, mudanças climáticas e sobrevivência