Em discurso durante o ato convocado por ele mesmo na Avenida Paulista, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) evitou citar o Supremo Tribunal Federal (STF) e disse que quer passar “borracha no passado”. Investigado pela Polícia Federal por suspeita de ter tentado um golpe de Estado, o ex-presidente disse que “golpe é tanque na rua” e suplicou aos parlamentares que aprovem um projeto de anistia para perdoar os “pobres coitados” condenados pelos atentados à Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.
“Tem gente que sabe o que eu falaria, mas o que eu busco é a pacificação, é passar uma borracha no passado, buscar uma maneira de nós vivermos em paz, não continuarmos sobressaltados. É, por parte do Parlamento brasileiro, é uma anistia para aqueles pobres coitados que estão presos em Brasília. Nós não queremos mais que seus filhos sejam órfãos de pais vivos. Nós já anistiamos no passado quem fez barbaridade no Brasil, agora pedimos a todos os 513 deputados um projeto de anistia para que seja feita Justiça em nosso Brasil. E quem porventura depredou o patrimônio, que nós não concordamos, que pague. Mas essas penas fogem ao mínimo da razoabilidade, nós não podemos entender o que levou poucas pessoas a apenarem tão drasticamente esses pobres coitados que estavam lá no 8 de janeiro de 2023”, disse Bolsonaro.
O ex-mandatário falou que “passou quatro anos sendo perseguido” e que essa perseguição aumentou desde que deixou a presidência da República. Ele citou a minuta de um decreto para instituir o estado de sítio, mas disse que para isso seria necessária a convocação do Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, o que ele não fez.
“‘Bolsonaro queria dar um golpe’. Isso sempre ouvi desde que assumi. O que é golpe? É tanque na rua, é arma, é conspiração, é trazer classes empresariais para seu lado, nada disso foi feito no Brasil. Nada disso eu fiz, e continuam me acusando por golpe — falou — Golpe usando a Constituição? Deixo claro que estado de sítio começa com o presidente convocando os Conselhos da República e da Defesa. Apesar de não ser golpe, não foi convocado ninguém dos conselhos da República e da Defesa para se tramar o decreto do estado de sítio. O segundo passo do decreto do estado de sítio, ele manda uma proposta para o parlamento, que decide se o presidente pode ou não decretar. Agora querem entubar que um golpe usando dispositivo da Constituição, cuja palavra final quem dá é o Parlamento, estava em gestação”, disse o ex-presidente.
Bolsonaro ainda citou as eleições de 2024 e de 2026, mesmo estando inelegível, sem citar nomes de candidatos, e pediu a seus apoiadores para “caprichar” no voto para prefeitos e vereadores.
“E nos preparemos para 2026, o futuro a Deus pertence. Nós sabemos o que deve ser feito no futuro para que o Brasil tenha um presidente que tenha Deus no coração, que ame a sua bandeira, que se emocione quando canta o hino nacional e que ame de verdade o seu povo. Vocês são os responsáveis por mim e pelo Tarcísio estar aqui, somos privilegiados. Se bem que, no momento, ele, porque eu não tenho o mandato. Porque nós podemos decidir o futuro de todos vocês. Nós não podemos concordar que um poder tire do palco político quem quer que seja, a não ser por um motivo justo, nós não podemos pensar em ganhar as eleições afastando os opositores do cenário político”, discursou.
Bolsonaro também reafirmou seus ideais contra “o socialismo, o comunismo, a ideologia de gênero e a liberação das drogas” e relembrou seus feitos quando foi presidente.
“Nós sabemos o que foi o período de 2019 a 2022 e estamos vendo agora como está difícil viver no nosso país com o que temos a nos governar neste momento”, falou.
O ato foi convocado pelo ex-presidente no último dia 12, quando ele gravou um vídeo chamando seus seguidores às ruas num “ato pacífico” e em defesa do “Estado democrático de direito”. Na mensagem, amplamente divulgada por aliados nas redes sociais, Bolsonaro prometeu rebater “todas as acusações” que lhe foram feitas nos últimos meses. O convite ocorreu após a Polícia Federal implicar Bolsonaro e a cúpula de seu governo em uma suposta tentativa de golpe.
Entre as provas já divulgadas estão um texto, encontrado na sala de Bolsonaro na sede do PL em Brasília, com argumentos para a decretação de estado de sítio e de uma Operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Além do vídeo de uma reunião ministerial datada de 5 de julho de 2022 na qual Bolsonaro instiga seus ministros a lançarem ataques contra o sistema eleitoral. As imagens foram citadas pela PF como indício de uma suposta “dinâmica golpista” dentro do governo, no âmbito de um inquérito que tramita no STF.
Bolsonaro chegou à Avenida Paulista às 14h40 e subiu ao trio elétrico por volta das 15h, ao lado de sua esposa Michelle Bolsonaro, e estendeu uma bandeira de Israel e depois cantou o hino nacional. Junto a ele no trio, estavam os senadores Magno Malta (PL-ES) e Marcos Pontes (PL-SP), o pastor Silas Malafaia, os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), de Minas Gerais, Romeu Zema (PL), de Goiás, Ronaldo Caiado (União) e de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL), além do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), e vários deputados federais, como Marcos Feliciano (PL-SP), Nikolas Ferreira (PL-MG) e Gustavo Gayer (PL-GO).
Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ocuparam parte da Avenida Paulista durante a manifestação para demonstrar apoio em meio às investigações da Polícia Federal (PF) por suposta tentativa de golpe de Estado.
O ato começou, oficialmente, às 14h, mas desde o início da manhã a avenida, um dos cartões postais da capital paulista, já registrava movimentação intensa, com a presença de apoiadores do ex-presidente vestindo camisas verde e amarelo, além de bandeiras do Brasil, de Israel e de Bolsonaro estendidas nas calçadas. O Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp) ficou fechado neste domingo por conta da manifestação.
O ex-presidente havia feito um apelo para que seus apoiadores não levassem cartazes “contra quem quer que seja”— as manifestações bolsonaristas frequentemente exibem faixas com ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) e seus ministros, recomendações que foram repetidas por aliados durante toda a semana em grupos bolsonaristas.
Os apoiadores acataram o pedido do ex-presidente e optaram por camisetas que estampavam palavras de ordem em exaltação a Bolsonaro e com slogans como “Deus, pátria e família” e “meu partido é o Brasil”, já utilizados em outras manifestações ao longo da gestão do ex-presidente. Também houve quem empunhou a bandeira de Israel, bastante disponível para compra em camelôs ao longo da via. Ao longo das primeiras horas de concentração na Paulista, não havia sinal de levante, críticas ou ataques às instituições brasileiras.
Pouco mais de uma hora antes, Michelle foi a primeira a falar ao público. Num discurso emocionado, em tom religioso, ela lembrou da facada que atingiu o marido em 2017, citou “ataques e injustiças” e chamou os apoiadores do ex-presidente de “um povo de bem, que defende valores e princípios cristãos”.