*Gui Lohmann, RMIT University; Glauber Eduardo de Oliveira Santos, Universidade de São Paulo (USP) e Jaqueline Gil, Universidade de Brasília (UnB)/ The Conversation
As recentes e impactantes imagens das Olimpíadas em Paris nos fizeram relembrar que a Cidade Luz não é uma das mais visitadas do mundo apenas por suas icônicas paisagens.
Em 2023, a capital francesa atraiu aproximadamente 26 milhões de visitantes internacionais. A reflexão sobre o Brasil jamais ter atingido a marca de 7 milhões de turistas estrangeiros em um ano é inevitável neste contexto.
A competição para captar turistas internacionais é ferrenha. A ideia de que nossa bela geografia, rica cultura e afável hospitalidade são suficientes para atrair qualquer potencial viajante é uma falácia.
Problemas estruturais fazem com que milhões de turistas escolham viajar para outros países ao invés de conhecer o Brasil. O país recebe menos de 0,5% das viagens internacionais do mundo, muito menos do que México (3,2%), Tailândia (2,2%) e Índia (1,1%). A Argentina recebe mais de um milhão de turistas a mais do que o Brasil por ano.
Embora a lista de problemas brasileiros não seja pequena, existem cinco pontos que explicam grande parte da dificuldade que o país tem de atrair turistas. São eles:
Primeiro, o turista tem dificuldade para chegar aonde quer no Brasil. As dimensões continentais e sua localização no globo tornam os deslocamentos longos, caros e difíceis.
A maior parte dos consumidores mundiais são obrigados a fazer um grande esforço para voar até o Brasil. Vale lembrar que os maiores mercados emissores de turismo estão na Europa, na América do Norte e na Ásia.
Ainda que tenha se expandido recentemente, e exista crescente esforço para atrair novas rotas aéreas, ainda são poucas as alternativas de voos diretos para o Norte ou o Nordeste.
Isso ocorre apesar dos apelos internacionais que têm a Amazônia e praias como Fernando de Noronha, e do trajeto bem mais curto para turistas europeus e norte americanos chegarem nessas regiões.
Essa oferta de voos escassa e mal distribuída geograficamente é pouco atraente para o turista e mais poluente ao meio ambiente, pois emite-se mais carbono para chegar da Europa até os aeroportos do Rio de Janeiro ou São Paulo e, então, rumar norte para cidades como Manaus ou Recife.
Frente aos problemas das distâncias do Hemisfério Norte, a exceção e a oportunidade mais relevantes são os vizinhos da América do Sul, principalmente o Cone Sul. Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile têm relativa facilidade para acessar localidades do Brasil por ar ou por terra, como Foz do Iguaçu, Florianópolis e Balneário Camboriú.
Contudo, os quatro países juntos não chegam a representar sequer 1% do mercado consumidor mundial de turismo.
Mas a dificuldade de acesso dos turistas não se resume ao transporte internacional. O deslocamento entre os portões de entrada do Brasil e muitos destinos também é penosa.
Importantes destinos naturais e culturais ficam a mercê de uma aviação doméstica/regional cara e com reduzida disponibilidade de destinos e horários.
Adicionalmente, o transporte terrestre sofre com as longas distâncias, a precariedade e a insegurança das estradas, além da escassez de serviços rodoviários e ferroviários adequados ao público estrangeiro: da falta de comunicação em outro idioma à ausência de digitalização de soluções: falta de tudo.
O segundo fator é a sensação de insegurança. O turista estrangeiro via de regra tem medo da violência no Brasil. Há razões para isso: a taxa de homicídios no país é de 20 para cada 100 mil habitantes, o que coloca o Brasil na 16ª posição do ranking de países mais violentos. No ranking de países com mais crime organizado, o Brasil também está entre os líderes, ocupando a 22ª posição.
Ainda que se saiba que a violência seja majoritariamente concentrada em determinados bairros de cidades médias ou grandes, ou em certas regiões do país, é difícil para o estrangeiro distinguir o que é e o que não é realmente seguro. Por consequência, a percepção internacional é de que sim, o Brasil é um país perigoso.
Um exemplo disso é a classificação de país “pouco seguro” que o Departamento de Estado dos EUA dá aos cidadãos americanos que desejam viajar para o Brasil. O governo britânico alerta sobre sequestros, estupros, roubos e golpes no Brasil. A grande repercussão de episódios de violência na mídia e nas redes sociais amplia e reforça a imagem de insegurança e afasta muitos turistas.
Outra faceta do problema da insegurança são “pequenos” golpes aplicados aos turistas, como estelionato nos preços e serviços em desacordo com o que foi contratado. O tal “jeitinho”, a informalidade e a falta de profissionalismo contrastam com a dificuldade que o turista encontra para se defender ou recorrer desses golpes. Ninguém gosta de ser passado para trás.
Um terceiro fator é que o turista estrangeiro tem dificuldade para encontrar serviços adequados a suas necessidades e preferências. Grande parte dos prestadores de serviços turísticos no Brasil não dominam nenhum idioma além do português. Pesquisas recentes indicam que a língua inglesa é dominada por apenas 1% dos brasileiros.
O desconhecimento de idiomas impacta do momento em que um turista não encontra informações online até quando não consegue se comunicar com um policial na rua ou um recepcionista na pousada, aumentando, assim seu desconforto e, por vezes, a sensação de insegurança.
Ademais, os serviços turísticos são geralmente voltados para o público brasileiro, ao invés de ter opções tanto para o gosto brasileiro quanto de estrangeiros. As informações disponíveis online, os passeios, as atividades, as comidas e os demais serviços raramente são projetados para responder dúvidas ou atender ao turista internacional.
A maior atenção dada ao público doméstico é natural, já que o número de brasileiros viajando dentro do país é dezenas de vezes maior do que o de estrangeiros e mantém o faturamento dessas empresas. Mas essa desproporção acaba diluindo os poucos estrangeiros em uma massa de turistas brasileiros e praticamente eliminando a oferta especializada no turismo internacional.
Com a exceção de algumas poucas cidades e empresas especializadas, com destaque para Manaus, Rio de Janeiro e Foz do Iguaçu, na maioria dos destinos brasileiros os turistas de fora acabam tendo que se adaptar aos gostos e preferências dos nacionais. Ainda que isso possa parecer “atraente” para viajantes com perfil mais aventureiro, que buscam se camuflar na cultura local, certamente mais facilidades especializadas seriam bem-vindas pela ampla maioria dos viajantes internacionais regulares.
Em quarto lugar: o estrangeiro não consegue fazer no Brasil uma viagem de qualidade com baixo custo. O país não é barato para viajantes.
Não quer dizer que o Brasil seja um país realmente caro, como a Suíça ou o Japão. Embora o Brasil não conste nos rankings de países mais caros para se viajar, tampouco consta entre os mais baratos. O Brasil é um país de custo de vida mediano.
Mas o resultado desse nível de preços, quando aliado às demais características do país, é desastroso.
Diferentemente dos países realmente baratos, como Indonésia, Índia e Egito, no Brasil o turista médio não consegue contratar por um preço competitivo serviços que garantam comparabilidade com experiências das melhores localidades e atendam as necessidades específicas que o viajante internacional espera.
Por exemplo, nosso transporte público é barato mas ruim, e os serviços especializados de transportes para turistas são bons, mas caros. Por outro lado, sem acesso a esse tipo de serviço premium, o turista fica exposto a inseguranças ou a consumir serviços voltados exclusivamente para brasileiros.
Em quinto lugar está a descontinuidade na promoção internacional do país. Não só construir, mas manter a imagem positiva de um destino turístico é essencial.
Além das questões racionais que impactam na compra de viagens, razões emocionais são cada vez mais presentes nessa decisão.
Visitar um país de que se tem um imaginário como local hospitaleiro, criativo, rico em cultura e onde se pode descansar com tranquilidade, se torna cada vez mais essencial a viajantes experientes. Comprar uma viagem é, afinal, materializar um sonho.
Para que o Brasil efetivamente atraia mais turistas, e que eles tragam ao país
prosperidade, não é suficiente resolver um ou outro desses problemas. É preciso resolvê-los em conjunto, criando uma experiência total de alta qualidade para o turista. Mas fazer isso não é fácil.
Articular todos esses elementos constitui um desafio para os destinos, especialmente aqueles em que os cidadãos locais também enfrentam dificuldades para ter uma experiência diária segura, confortável e esteticamente agradável.
Lugares que oferecem uma boa qualidade de vida para seus cidadãos, como os países
desenvolvidos, têm maior facilidade para desenvolver o turismo.
Nos países menos desenvolvidos, o turismo é desenvolvido em grande escala apenas em enclaves de riqueza cercados de barreiras de segurança, como em Cancún (México), Bali (Indonésia) ou nas Maldivas.
Desenvolver o turismo em enclaves é uma alternativa polêmica e que gera muitos
conflitos sociais e políticos. No Brasil, esse tipo de projeto tem sido cada vez mais politicamente inviável e descartado pela opinião pública.
Os problemas do turismo no Brasil são amplos, e justamente por isso, tão persistentes.
As discussões sobre os problemas do turismo no Brasil geralmente tratam de aspectos mais específicos, como a falta de voos, de capacitação dos trabalhadores ou de políticas e investimentos consistentes em marketing.
É claro que esses pontos são importantes, mas projetos isolados nessas áreas continuarão a fazer do Brasil um gigante adormecido para o turismo internacional.
Gui Lohmann, Professor, RMIT University; Glauber Eduardo de Oliveira Santos, Professor, Universidade de São Paulo (USP) e Jaqueline Gil, PhD researcher, Universidade de Brasília (UnB)
Este artigo foi republicado do The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original .