O modelo de ocupação territorial do Brasil, desde as capitanias hereditárias, é uma bomba relógio. Some-se a isso a forma como foi abolida a escravidão, e o que veio depois, e tem-se uma cultura social que é pura nitroglicerina.
O Norte do Espírito Santo é a porção colonizada mais recentemente no Estado,sob o signo da violência. Terras devolutas ocupadas por posseiros e, depois, griladaa por coronéis e seus jagunços é o legado de uma história que tem menos de 100 anos. Portanto, tudo ainda muito quente.
Imigrantes de uma Europa em frangalhos escaparam por pouco de se tornarem nos novos escravizados, no final do século XIX. A maioria comeu o pão que o diabo amassou para desbravar glebas que recebiam, generosamente, do Estado.
Talvez um fator que os tenha salvo seja que muitos contavam com a mão de obra e o apoio familiar, diferentemente dos pretos – de uma hora para a outra tornados “livres” sem ter para onde ir e nem terra para viabilizarem a vida. E sem família, já que delas foram separados ainda no continente africano.
O caso da família de São Mareus está muito bem descrito na reportagem s seguir, do ES Hoje. Talvez seja mesmo o caso de eles terem tratamento semelhante ao dos quilombolas na reivindicação de espaços de sobrevivência, vindos da época em.que a terra era de ninguém – ah, sim, nessa altura alguém vai aparecer para dizer que era dos povos originários, mas é outra discussão.
Fato é que casos de famílias brancas, pretas ou dos povos da extinta florestas deveriam ser tratados com menos ideologia e mais empatia e por princípios justos. Caso contrário, em vez de resolver, agravaremos, enquanto sociedade, o problema. Sentem-se, senhores. (
Família Bettim e Incra: justiça ou iniquidade na reforma agrária?
Por Juliana Rodrigues (ES Hoje)
A desapropriação da fazenda Floresta e Texas, localizada em São Mateus, no Norte do Espírito Santo, acendeu o debate sobre a reforma agrária no estado e dividiu opiniões. De um lado está o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que diz estar cumprindo o que determina a lei; do outro, a família Bettim, que reivindica seu direito de viver e produzir na terra herdada de seus antepassados.
A disputa levanta perguntas que transcendem os limites do processo judicial: seria esta desapropriação uma ação justa, em conformidade com a lei, ou uma iniquidade contra a família Bettim?
A polêmica teve início em 2009, quando o Incra realizou uma vistoria técnica na propriedade, notificando previamente seus proprietários, conforme determina a legislação. O período analisado, de fevereiro de 2008 a março de 2009, culminou em um laudo que classificou o imóvel como uma grande propriedade improdutiva.
Os índices apresentados pela fazenda – 49,61% no Grau de Utilização da Terra (GUT) e 69,12% no Grau de Eficiência de Exploração (GEE) – ficaram abaixo do que é exigido para o cumprimento da função social da terra, conforme o Artigo 186 da Constituição Federal. A partir disso, o Incra iniciou o processo de desapropriação para fins de reforma agrária.
Os proprietários, porém, contestaram a classificação, apontando que a terra já era produtiva à época e continua sendo até hoje, com atividades que incluem pecuária, cultivo de café, pimenta-do-reino e produção de leite. “Nós temos quase 100 mil pés de café numa área de 500 e poucas hectares, e eles acham pouco ainda”, diz, indignado, Adriano Bettim, um dos proprietários da terra.
Segundo a família Bettim, laudos particulares foram elaborados para contrapor os índices apresentados pelo Incra, mas não foram aceitos no processo judicial. Ao longo dos quase 15 anos de tramitação, houve troca de advogado, pedido de novas perícias e audiências, sem que se chegasse a uma decisão que revertesse a classificação inicial.
Uma das principais queixas da família Bettim é a forma de indenização oferecida. Enquanto as benfeitorias serão pagas em dinheiro, a terra nua será ressarcida em títulos da dívida agrária, resgatáveis em até 20 anos. Para eles, esse prazo prolongado não é condizente com a urgência de sua situação, especialmente considerando que eles não possuem outra fonte de renda nem outras propriedades.
Outro ponto levantado pela família é a falta de clareza nos critérios utilizados pelo Incra para definir a improdutividade, considerando que a propriedade apresenta, até hoje, atividades agrícolas e pecuárias.
“É UMA ANGÚSTIA, A GENTE NÃO RECEBEU DINHEIRO DE NADA AINDA. A GENTE NÃO TEM PRA ONDE IR E A FONTE DE RENDA DA GENTE É A TERRA”, AFIRMOU EDMILSON APPOLÔNIO BETTIM, OUTRO PROPRIETÁRIO DA FAZENDA.
Do lado do Incra, a argumentação baseia-se na legislação vigente e no cumprimento da função social da terra. A instituição afirma que todo o processo foi realizado garantindo aos proprietários o direito ao contraditório e à ampla defesa.
“Além disso, grande parte da família reside em uma área que não será alcançada pela desapropriação e o único proprietário que se encontra na área a ser desapropriada solicitou o direito de permanecer no local, conforme estabelecido no Art. 20 da Lei Nº 8.629/93 – pedido este que foi acato pelo judiciário”, respondeu o Incra por meio de nota.
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