O presidente da Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer), Carlos Roberto Ferreira Lopes, apontado pela Polícia Federal (PF) como um dos principais investigados no esquema de descontos indevidos em benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), movimentou, em apenas dois meses, R$ 1,76 milhão em sua conta bancária, apesar de declarar renda mensal de R$ 15 mil e patrimônio de R$ 60 mil. As informações constam em relatório da PF obtido por O Fator.
Ainda conforme o relatório, Carlos Roberto, no mesmo período de movimentação milionária na conta bancária, aparece como sócio da Agropecuária e Mineração Lagoa Alta Ltda, controladora de uma fazenda em São Félix de Minas, no Vale do Rio Doce. A fazenda, equipada com pista de pouso para aeronaves, era, segundo as investigações, serviria de base para negócios da família.
A PF, que apura incompatibilidade entre o padrão de vida do empresário e sua renda declarada, realizou operações de busca na propriedade em abril deste ano.
A movimentação em torno da Fazenda Lagoa Alta foi detalhada por veículos de imprensa e confirmada na região, onde, segundo interlocutores ouvidos pela reportagem, o empresário e familiares seriam presença frequente. Além da agropecuária, a família Lopes controla uma mineradora de mesmo nome na cidade, administrada pelo filho do presidente da Conafer.
As suspeitas, no entanto, vão muito além do patrimônio rural, e recaem diretamente sobre o papel de Carlos Roberto na captação de recursos por meio da Conafer – uma das organizações que mais cresceram nas receitas provenientes de descontos em aposentadorias do INSS.
Salto de receita e indícios de fraude
Relatórios da Auditoria-Geral do INSS incorporados ao inquérito policial em curso na 15ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal (DF) revelam que a arrecadação da Conafer deu um salto exponencial nos últimos anos.
“A Conafer passou de R$ 350 mil em descontos em 2019 para mais de R$ 57 milhões em 2020, crescimento de 16.185% em apenas um ano”, lê-se em trecho do parecer da auditoria geral.
No primeiro semestre de 2024, a Conafer detinha 659.942 filiados com desconto ativo em folha. A entidade ocupava a segunda colocação no ranking das entidades associativas com maior incidência desse tipo de operação no sistema previdenciário. À ocasião, a liderança da lista estava nas mãos da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).
Os descontos eram proporcionados por um Acordo de Cooperação Técnica (ACT), que permite o abatimento dos valores nos holerites de pensionistas e aposentados mediante uma autorização individual do beneficiário. Apesar da necessidade do requisito, a auditoria do INSS revelou que, em 55% dos pedidos de exclusão de desconto, não havia documentos prévios comprovando a adesão do segurado aos repasses à entidade, em um indício de prática irregular.
Ainda conforme o relatório do INSS, de 1,16 milhão de requerimentos para exclusão de descontos entre janeiro de 2023 e maio de 2024, mais de 90% indicaram que o beneficiário não havia autorizado o débito.
Movimentação financeira incompatível
Documentos bancários anexados ao inquérito policial detalham a movimentação financeira de Carlos Roberto Ferreira Lopes entre janeiro e fevereiro de 2021. Segundo o próprio documento bancário:
“Cliente Carlos Roberto Ferreira Lopes. Renda R$ 15.000,00, patrimônio R$ 60.000… Total de ingressos no período R$ 976.450,00… Total de saídas no período R$ 1.763.289,00… Concluídas nossas análises, constatamos haver muitos objetivos para as saídas, considerando a renda informada, verificamos que o cliente está apresentando movimentação acima de sua capacidade econômica. Ocorrência: (IV-a) movimentação de recursos incompatível com o patrimônio, a atividade econômica ou a ocupação profissional e a capacidade financeira.”
Boa parte dos valores foi destinada a transferências envolvendo a própria Conafer, terceiros, e consultorias.
Para a PF, a posse da Fazenda Lagoa Alta é incompatível com o patrimônio declarado de Carlos Roberto.
Segundo moradores e funcionários locais, a família Lopes utiliza a fazenda com pista de pouso como base para negócios rurais e de mineração. A ida dos agentes da PF à propriedade aconteceu em 23 de abril. Na incursão, os policiais buscaram elementos que ligassem os bens e movimentações financeiras ao esquema sob investigação.
Uso de ‘laranjas’
O relatório de investigação policial inclui, além de Carlos Roberto, nomes de assessores e pessoas do círculo familiar ligados à Conafer, alguns considerados “laranjas” pela PF. As operações financeiras levantadas incluem transferências via TED para CPFs de terceiros, empresas de consultoria e consultorias em nome de pessoas próximas.
O Fator entrou em contato com a Conafer em busca da posição da entidade, bem como de seu presidente e dos assessores, mas ainda não obteve retorno. Em caso de manifestação, este texto será atualizado.
Auditoria apontou falhas do INSS
A auditoria do INSS foi enfática ao apontar falhas no controle dos acordos com entidades associativas, incluindo a Conafer. Não houve fiscalização regular exigida pelos próprios acordos, e parte dos descontos foi inserida sem anuência formal dos segurados. Os prejuízos estimados incluem:
A apuração indica que ao menos R$ 45,5 milhões deixaram as folhas de pagamento rumo às entidades associativas sem que houvesse autorização dos beneficiários. Houve, ainda, ausência das despesas operacionais ao INSS, o que gerou prejuízo aos cofres públicos de cerca de R$ 5,9 milhões entre janeiro de 2023 e maio do ano passado.
Segundo os holerites analisados, a média de descontos não autorizados por mês foi de R$ 43,12. A Auditoria-Geral recomendou revisão imediata dos descontos, revalidação das autorizações e bloqueio da inclusão de novos descontos até a implementação de controles mais rígidos.
O relatório da PF em números:
- Número de filiados da Conafer com descontos em maio de 2024: 659.942
- Total de descontos associativos em 2023-2024 (todas as entidades): R$ 3,07 bilhões
- Percentual de exclusão de desconto por alegação de não autorização: 90,78%
- Prejuízo mínimo estimado a beneficiários: R$ 45,5 milhões
- Déficit operacional não ressarcido ao INSS: R$ 5,9 milhões
(Da Redação com O Fator)
