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Das cozinhas ao uso em infecções resistentes aos antibióticos: o poder do alecrim

 

*Adriano Simões Barbosa Castro, Universidade Federal de Viçosa (UFV); João Paulo Viana Leite, Universidade Federal de Viçosa (UFV); Marli do Carmo Cupertino, Universidade Federal de Viçosa (UFV) e Rodrigo Siqueira-Batista, Universidade Federal de Viçosa (UFV) / Revista The Conversation 

Presença quase obrigatória nas boas mesas do mundo ocidental, o alecrim é uma planta cuja aplicação vai muito além dos seu uso gastronômico ou decorativo. Oficialmente chamada Rosmarinus officinalis (e, mais recentemente, denominada Salvia rosmarinus), o alecrim é um arbusto nativo do Mediterrâneo que pode atingir 1,5m de altura, com importante ação anti-infecciosa.

Adaptada a inúmeras condições de ambiente, o vegetal cujo nome em latim significa “orvalho do mar”, em referência ao seu local de origem, é conhecido e cultivado no mundo todo.

 

Dado ao seu aroma distinto e agradável, o alecrim vem sendo usado ao longo da história da nos mais diversos preparos culinários – como em carnes, peixes, sopas, molhos, pães. Suas folhas frescas ou secas são as partes mais consumidas, mas as flores também podem ser usadas para fins ornamentais.

Mas, além do seu uso culinário, o alecrim tornou-se popular na medicina por sua utilização em diferentes tratamentos, com destaque para as doenças infecciosas e problemas inflamatórios.

Estudo recentes têm constatado poderosas propriedades antioxidantes, anti-inflamatórias e antimicrobianas da planta. Monografias sobre o uso medicinal de Rosmarinus officinalis encontram-se presentes em documentos da Farmacopeia Brasileira (BRASIL, 2021) e do Comitê de Medicamentos à Base de Plantas da Agência Europeia de Medicamentos (EMA/HMPC, 2010).

A ANVISA caracteriza a resistência microbiana (RAM) como “a capacidade de microrganismos como bactérias, fungos e parasitas resistirem à ação de medicamentos antimicrobianos – antibióticos, antivirais, antifúngicos e antiparasitários”. Nesse sentido, o uso de antimicrobianos – principalmente quando empregados de modo incorreto ou indiscriminado – favorece a seleção de um maior número de agentes infecciosos resistentes (como bactérias,por exemplo), situação que tem se tornado cada vez mais preocupante para órgãos governamentais do mundo todo, de modo que diferentes pesquisadores têm buscado alternativas terapêuticas para superar a RAM.

Nesse contexto, o alecrim tem aparecido com bons resultados em diversas pesquisas com produtos medicinais de origem vegetal. Uma das razões para isso é o seu óleo essencial, que conta com centenas de componentes valiosos. Os principais são os chamados compostos monoterpenos 1,8-Cineol (15-55%), α-Pineno (9-26%), cânfora (5-31%), canfeno (2.5-12%), e sesquiterpeno β-cariofileno (1.8–5.1%).

No entanto, há quimiotipos pertencentes ao alecrim que levam a variações na composição química do seu óleo essencial. Entendem-se como quimiotipos as variações químicas dentro de uma mesma espécie de planta, que resultam na produção de diferentes perfis de compostos químicos presentes nos óleos essenciais. Essas variações são influenciadas por fatores genéticos e ambientais, como solo, clima, altitude e até mesmo a presença de outras plantas.

No caso do alecrim, os seus óleos essenciais podem apresentar composições químicas contendo diferentes constituintes majoritários, como o cineol ou a própria cânfora.

Assim, identificar o quimiotipo é um fator crucial no processo de identificação e aplicação terapêutica dos diferentes óleos essenciais que podem ser extraídos do alecrim, garantindo que a planta seja usada de forma adequada para suas propriedades específicas.

Essa informação permite que haja um estudo detalhado dos aspectos que influenciam a composição química, visando à obtenção de um óleo essencial com características desejáveis.

Descobriu-se que o óleo essencial do vegetal possui propriedades antimicrobianas mais pronunciadas do que os seus constituintes de forma isolada, especialmente contra a bactéria Staphylococcus aureus, causadora de enfermidades cutâneas como furúnculos e carbúnculos, e de quadros mais graves, como endocardite e sepse, além de muitas outras possíveis doenças.

Outras bactérias também se mostraram suscetíveis às preparações feitas a partir da planta, como Streptococcus pyogenes, causadora de amigdalites, e a Listeria monocytogenes, responsável por casos de meningite.

Além disso, o uso da R. officinalis se mostrou eficiente sobre biofilmes formados por bactérias que habitam a cavidade oral, causadoras de cáries e periodontites.

Um amplo estudo realizado recentemente investigou a eficácia de sete óleos essenciais – incluindo o óleo de alecrim, em suas formas líquidas e voláteis – contra Pseudomonas aeruginosa, uma bactéria que causa infecções graves, particularmente em pacientes debilitados e em ambientes hospitalares. Verificou-se que o óleo alecrim, entre os testados, foi o mais eficaz contra o patógeno, especialmente devido à presença do 1,8-cineol.

Outros estudos destacaram a eficácia do óleo de alecrim contra cepas bacterianas multirresistentes, como amostras de Escherichia coli, principal causadora de infecções do trato urinário.

Esses achados corroboram estudos que indicam o potencial do óleo de alecrim como agente antimicrobiano, destacando sua aplicabilidade em futuros tratamentos antibacterianos.

Outras pesquisas identificaram também a eficácia do uso do extrato de alecrim no tratamento de infecções causadas por fungos do gênero Candida. Ao comparar o óleo essencial de alecrim à nistatina, antifúngico amplamente comercializado, os resultados indicaram um efeito semelhante entre ambos, o que reforça a aplicabilidade do alecrim nesse cenário.

Além disso, o extrato de R. officinalis demonstrou eficácia significativa contra biofilmes de Candida glabrata, Candida krusei e Candida tropicalis, ampliando o conhecimento sobre seu espectro de atividade antifúngica.

Outros estudos também certificaram êxito do extrato de alecrim no tratamento de Candida albicans, responsável por episódios de candidíase.

Benefícios adicionais do óleo essencial de alecrim envolveram suas propriedades antioxidantes, ou seja, a capacidade do produto de proteger as células humanas contra processos naturais de oxidação celular, que levam à formação de radicais livres que podem gerar envelhecimento precoce e surgimento de doenças. Aprofundamentos destas pesquisas demonstraram, inclusive, potencial anticancerígeno no óleo, o que sugere uma possível aplicação da planta para minimizar o crescimento de células tumorais.

Vale ressaltar que estudos estão em andamento para a determinação das proporções ideais de combinações de óleos essenciais, com vistas à obtenção de uma mistura não tóxica para células humanas normais e com a atividade antimicrobiana e anti-inflamatória mais favorável.

O alecrim é uma possibilidade terapêutica para distintas condições patológicas, especialmente as enfermidades infecciosas. Embora a composição do óleo essencial apresente alterações dependendo da parte da planta utilizada, do modo de extração dos compostos e, até mesmo, do local e da estação do cultivo, é fato que os seus componentes são uma alternativa promissora para a terapêutica de infecções fúngicas e bacterianas, principalmente no contexto da resistência microbiana.

Pesquisas futuras – incluindo revisões integrativas e sistemáticas, a serem desenvolvidas com a participação dos autores deste artigo – deverão ser realizadas para que os potenciais terapêuticos do alecrim sejam melhor esclarecidos e para que o uso da planta, com este fim, possa ser definitivamente seguro para os seres humanos.


Este trabalho contou com a preciosa participação dos estudantes Gabriel Filipe Rodrigues S. Barboza e Gustavo César Pedrosa Gomes, os quais contribuíram para a preparação do texto.

Adriano Simões Barbosa Castro, Farmacêutico-bioquímico, Universidade Federal de Viçosa (UFV); João Paulo Viana Leite, Professor Titular, Universidade Federal de Viçosa (UFV); Marli do Carmo Cupertino, Professora Adjunta, Universidade Federal de Viçosa (UFV) e Rodrigo Siqueira-Batista, Professor Titular, Universidade Federal de Viçosa (UFV)

Este artigo foi republicado do The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original .


 

The Conversation

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