Nova Venécia está completando 71 anos de emancipação e, com ela, traz uma história dos povos que mostram a diversidade étnica-cultural. Por aqui, os povos originários, tiveram os italianos e os africanos. O município agrega, também família de origem inglesa, como por exemplo, a Oakes, sírio-libanesas, família Caran, espanholas, como a família Lusquinho, polonesas, entre outras. Ou seja, o município veneciano é um celeiro da chegada e permanência, e união de diferentes povos. Nesta reportagem especial, A Notícia conta um pouco da história da miscigenação desses povos.
Africanos em Nova Venécia
A colonização do território de Nova Venécia aconteceu a partir da implantação de grandes fazendas no entorno da região da atual Área de Proteção Ambiental (APA), aos arredores da Pedra do Elefante, com o objetivo de produzir café e, isso se deu por meio da mão de obra de africanos e afro-brasileiros que, aqui chegaram a partir de 1870. Contudo, essa importante parcela da população nunca foi devidamente destacada e reconhecida no contexto da história do município, tornando-se praticamente “invisível”. Estavam ali, mas não eram vistos, ou lembrados, quase que um apagamento.
Para esclarecer, os historiadores, Izabel Maria da Penha Piva e Rogério Frigerio Piva, relatam: “Durante nossas pesquisas foi possível identificar a presença, no período pós-abolição, de africanos que aqui, como Frederico da Costa, Victorino do Nascimento e o velho Ladislau. Logicamente, estes nomes e sobrenomes, eles receberam aqui, muito pouco sabemos sobre suas vidas, porém o que temos nos indica o contexto de suas histórias”.
Ainda, de acordo com os historiadores, em 11 de Setembro de 1892, um domingo, por volta das 15h, na Fazenda da Serra dos Aymorés, atual Serra de Baixo, propriedade do major Antônio Rodrigues da Cunha, era celebrado o casamento civil de Frederico da Costa. Ele era “natural da Costa d’Africa”, – onde pode compreender a origem de seu sobrenome- e, Delphina, nascida no Espírito Santo. Ele tinha 55 e ela 50. Sendo correta a idade de Frederico ele teria nascido por volta de 1837, na costa atlântica da África, e trazido à força para o Brasil antes dos 20 anos. Infelizmente, o registro que consta no primeiro livro de casamentos do cartório de Nova Venécia, não traz mais informações como a cor, por exemplo, mas é provável que sua esposa Delphina fosse afro-brasileira”, narram.
“Sobre Victorino do Nascimento, natural da África, as únicas informações que temos são de seu registro de óbito. Ele faleceu em São José, de morte natural, numa sexta-feira, 29 de junho de 1922 e foi sepultado no Cemitério Público da Terra Roxa, região próxima ao Rio Preto. “Era viúvo de Lourença Maria da Conseição e com ela, teve um filho chamado Simplício Victorino do Nascimento. O declarante era, provavelmente, seu neto chamado Pedro Simplicio do Nascimento. O que mais chama a atenção no registro é a idade do Victorino ao falecer: 130 anos! Mesmo que a idade não seja precisa, ele provavelmente nasceu no início do século XIX. Assim como Frederico, também é possível que seus descendentes ainda estejam por aqui”, fala Rogério e Izabel.
Já o “velho africano” Ladislau, tem uma história curiosa, conforme nos deixou registrado Antônio Estigarríbia em relatório datado de 1911: “Esse homem quando escravo, fugiu de seus senhores, acolheu-se a uma tribo de índios, acompanhando-a por muito tempo. “Sabemos que Ladislau viveu na região do Pip-Nuk e deixou descendência. Mas, além dos antigos que o conheceram, ninguém hoje se lembra dele por lá, de sua incrível história de resistência e de interação entre as culturas indígena e afro-brasileira. Frederico, Victorino, Ladislau e muitos outros que aqui resistiram à escravidão, e sobreviveram para trilhar suas histórias”, pontuam.
1888: As primeiras famílias italianas chegam a Serra dos Aymorés
Eram 87 pessoas naturais das regiões da Lombardia e do Vêneto, norte da Itália, que, ao chegarem a São Mateus, foram alojadas em um barracão localizado em terreno aos fundos do cemitério da cidade. Grande deve ter sido a curiosidade tanto de italianos quanto de mateenses, devido ao contraste de culturas.
“Todos os colonos deveriam prosseguir para Santa Leocádia. Ocorre que, por pressão dos fazendeiros junto ao presidente da Província, Dr. Henrique Moscoso, parte das famílias foi destinada às fazendas da região da Serra dos Aymorés, atualmente Nova Venécia”, contam.
De acordo com os historiadores, para a Fazenda da Serra dos Aymorés (Serra de Baixo), pertencente ao major Antônio Rodrigues da Cunha, foram encaminhadas as famílias de: Giovanni Bertoldi, Giovanni Battista Corradini e da viúva Maria Zanferrari (Família Pontara), num total de 13 pessoas. “Para a Fazenda da Boa Esperança (Serra de Cima), do comendador Matheus Gomes da Cunha, foram as famílias de: Domenico Sartori, Domenico Bassi, Domenico Peruzzi, Antonio Zanetti e Angelo Manzani, totalizando 14 pessoas. Para a Fazenda da Terra Roxa, do doutor Constante Sudré, foram as famílias de: Domenico Bernardi, Domenico Biasi, Pietro Peroni, Paolo Zachinelli, Rafaele Moro e Pietro Gallina, totalizando 12 pessoas. Para a Fazenda da Gruta, do doutor Antônio Sudré, foram as famílias de: Luigi Aprile e Battista Benevenutti, totalizando quatro pessoas. Estes foram, portanto, os primeiros italianos a chegar à região do atual município de Nova Venécia, no ano de 1888 e formavam um grupo de 43 pessoas”, esclarecem Izabel e Rogério Piva.
Segundo os historiadores, devido ao não cumprimento das promessas feitas pelos fazendeiros aos imigrantes, parte retirou-se para o Núcleo Santa Leocádia e outros, seguiram para Vitória, a fim de alcançar novos destinos.
“Além da abolição do trabalho escravo e da chegada dos primeiros imigrantes italianos, o ano de 1888 também, foi marcado pela retomada da migração de retirantes nordestinos para São Mateus, dos quais, a primeira leva chegou àquele porto, no início de dezembro e era composta principalmente por mulheres e crianças que fugiam dos horrores da seca no Ceará, a província mais afetada”, falam.
Seu Pedro Mazarini (In Memória), era filho de um legítimo italiano, o Seu Augusto Geovani Mazarini, que saiu de Gênova com os pais no porão do Navio Birmania e chegou ao Brasil em 1891, depois de um mês de uma difícil viagem. O Porto de Vitória foi local de desembarque do pai do Seu Pedro Mazarini e dos avós: Davide Mazarini e Maria Tereza Biral.
Ao chegar em Vitória, o próximo destino da família Mazarini foi o Porto de São Mateus. Foi ali que ficaram hospedados em um casarão perto do cemitério, próximo a Catedral. Dali, eles seguiram para a Fazenda Cachoeira do Cravo. As mulheres vieram de canoa e os homens, a pé. Depois seguiram para Nova Venécia, na Serra de Baixo, onde foi a primeira moradia, e logo após, para o Pipi-nuk, na localidade de São João Córrego da Volta, local onde parte da família permanece até hoje.
Os indígenas no território de Nova Venécia
Em 1911, o Inspetor do recém-criado Serviço de Proteção dos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN) no Espírito Santo, Antônio Martins Viana Estigarríbia, esteve na região do atual município de Nova Venécia, para implantar um posto de atração com o objetivo de “pacificar” os indígenas que, naquele momento, estavam em conflito com fazendeiros e colonos, nada diferente do que vemos hoje nos noticiários, com relação à região amazônica, mais de 100 anos depois.
“Ele identificou grupos de caçadores-coletores nômades que ainda habitavam a região, destacando três: os Giporok que circulavam na região entre o braço sul (rio Cricaré) e o braço norte (rio do Norte ou Cotaxé) do rio São Mateus; os Angrêtes ou Coroados que habitavam a região ao sul do braço sul (rio Cricaré, o que abrangia a região da atual APA da Pedra do Elefante, e o terceiro, infelizmente, naquele momento já dado como extinto, os Pip-Nuk que, segundo informava, foram aldeados na região que hoje leva seu nome e, posteriormente dizimados pelo grupo rival dos Giporok”, dizem os historiadores.
O Inspetor Estigarríbia ainda acrescentou que, Pip-Nuk era o nome de seu chefe e, que todos esses grupos pertenciam à nação dos Aimorés.
“Aproximadamente 45 anos antes de Estigarríbia fazer estes apontamentos, o geólogo Charles Frederick Hartt visitou a região do Rio São Mateus, e, assim, deixou importante documento etnográfico onde descreveu os aimorés ou botocudos, como de cor morena clara, que se pintavam com tintas feitas com urucum e jenipapo e não praticavam a agricultura como outros povos. Além dos botoques, usavam em seus corpos colares feitos de sementes e dentes de animais”, relatam.
Segundo os historiadores, as armas mais utilizadas por esse grupo indígena eram o arco e a flecha, e seus chefes eram guerreiros escolhidos por sua força e valentia, sendo que o nome desse indivíduo era dado ao grupo, caso dos Pip-Nuk.
“Faziam seus ranchos na floresta com folhas de palmeiras, instalavam fogueiras ao centro e utilizavam cuias e cabaças para preparar alimentos. Sua alimentação era constituída de sementes, frutos e raízes. Com a chegada dos colonizadores, também se alimentavam de milho, bananas e mandiocas, que pegavam nas fazendas. Em relação à carne, preferiam macacos, como também onças, tamanduás, jacarés, lagartos e até jibóias, além de aves como mutuns e jacupembas e, seus ovos. Ainda por meio de flechas ou raízes, consumiram os peixes”, contam.
Na narrativa, os historiadores ainda comentam: “Os botocudos adotavam a monogamia como constituição familiar, no entanto as mulheres eram subjugadas aos seus companheiros e responsáveis pelas crianças. Quanto à religiosidade, acreditavam em espíritos bons e um maligno, que Hartt traduz da língua borum como “Janchon”, que era muito temido por todos, a ponto de enterrarem seus mortos sob uma fogueira para que esse espírito não o levasse. A rica cultura desse povo se perdeu com o genocídio e etnocídio praticado contra eles em nossa região. Hoje identificamos raras reminiscências dos povos originários em nosso processo cultural. Alguns hábitos alimentares, a prática do banho diário, a toponímica regional e outras permanências nos indicam que temos muito a descobrir sobre as raízes indígenas em nós.”, pontuam os historiadores.
