― Advertisement ―

spot_img

Ifes de Barra de São Francisco terá três novos cursos a partir de 2025

O Ifes Campus Barra de São Francisco acaba de aprovar três novos cursos técnicos que representam uma grande conquista para a comunidade local e...

Delação de assassino de Marielle joga luz sobre as relações das milícias com autoridades

 

José Cláudio Souza Alves, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFFRJ)/ The Conversation

Detalhes da delação do ex-policial militar Ronnie Lessa, divulgados nos últimos dias, e a prisão dos prováveis mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco, o ex-conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro Domingos Brazão e seu irmão Chiquinho Brazão (deputado federal, sem partido/RJ), jogam um pouco mais de luz sobre a atuação das milícias no estado do Rio de Janeiro.

A morte de Marielle teria sido encomendada pelos Brazão por causa de sua atuação nas comunidades, em especial em Jacarepaguá, onde está boa parte da base eleitoral da família Brazão, e também devido ao enfrentamento que a vereadora fazia a grupos interessados em validar os negócios e estratégias das milícias.

Lessa disse em sua delação que receberia dos Brazão e de Macalé (o ex-PM Edmilson Oliveira), como pagamento pelo crime, áreas para loteamento clandestino na Zona Oeste do Rio avaliadas em milhões. A defesa dos Brazão, presos desde 24 de março deste ano, nega.

O ex-PM e os Brazão são hoje a parte visível de um conjunto de grupos milicianos de dimensões desconhecidas cujos participantes, nos vários poderes da República, precisam ser nomeados e identificados.

Meus estudos acadêmicos levam a uma dimensão mais antiga disso que estamos testemunhando. Pesquisando os grupos de extermínio na Baixada Fluminense, pude perceber uma conexão entre esses grupos surgidos nesta região, no período da ditadura militar, e as atuais milícias.

Ali se montou uma estrutura na qual policiais matavam, empresários e comerciantes financiavam e o regime ditatorial dava suporte político para o funcionamento desses grupos.

Essa estrutura funcionou com muita intensidade nos anos 1970. Inicialmente visava atingir os opositores da ditadura, mas acabou se tornando uma grande estrutura de controle territorial, financeiro e eleitoral nessas regiões.

Com o tempo, isso foi se ampliando e ganhou as dimensões assustadoras que vemos hoje, com conexões no mundo político e na estrutura do Estado, principalmente na segurança pública. Onde há força policial de segurança pública, militar ou civil, grupos de extermínio foram organizados e continuam em funcionamento.

Há pelo menos cinco pontos de conexão entre os grupos de extermínio e as milícias: ambos envolvem servidores públicos; são especialistas em provocar danos à vida dos outros, porque são treinados nas forças de segurança pública, voltada a operações que atingem primordialmente a população mais vulnerável; recebem financiamento de empresários e comerciantes; têm controle territorial nas áreas em que atuam e, por fim, possuem membros em cargos eletivos.

Enquanto os grupos de extermínio se concentravam em cobrança de taxa de segurança e assassinato por aluguel, as milícias criaram um portfólio gigantesco de atividades.

A posse da terra é a porta de entrada da milícia em uma região, o primeiro passo de uma estratégia de controle praticamente absoluto de um determinado território. Esse domínio se dá associado a um plano de controle político, financeiro e de ocupação territorial.

A partir do controle da região, as milícias têm uma infinidade de ganhos com o fornecimento de infraestrutura de serviços e bens urbanos. Isso passa pela construção civil, que gera muito dinheiro, pela cobrança do ponto comercial, do aluguel, do fornecimento da “gatonet”, da água, do gás, da luz, do transporte clandestino, da coleta de lixo e outras taxas.

A dominação miliciana leva à invasão e destruição de áreas ambientais, em geral transformadas em aterros clandestinos. Nas regiões controladas, as secretarias municipais autorizam e dão licença ambiental a todo e qualquer empreendimento de interesse dos milicianos.

Na maioria dos casos, a cumplicidade de membros dos poderes legislativo, executivo e do judiciário, que julga os processos relacionados ao domínio miliciano, é garantida com acordos e compensações.

Há quase 30 anos, as milícias que atuam no bairro de Pilar e na área de proteção ambiental do São Bento, no município de Duque de Caxias, vendem terras da União como se fossem privadas. Os compradores recebem um registro geral de imóveis, evidenciando a colaboração de parte do Judiciário por meio da estrutura cartorial da cidade.

É também em Duque de Caxias que fica o Campo do Bomba, uma área de cerca de 3 milhões de metros quadrados cedida ao município pelo Incra. Apesar de todos os alertas sobre os riscos ambientais do projeto, a Prefeitura pretende aterrar a região e erguer ali uma central de abastecimento (Cearj – Central de Abastecimento do Estado do Rio de Janeiro). O projeto destina 20% do território para a Cearj e 80% à ocupação imobiliária, para negócios de empreendimento.

A ação fundiária das milícias se repete nos municípios de Nilópolis e Mesquita, onde estão algumas das áreas mais disputadas com finalidade imobiliária. Japeri e Belfort Roxo vão na mesma direção, sob violência pesada. No município de Seropédica, milicianos procuram imóveis com IPTU atrasado para serem tomados e vendidos.

Os milicianos ou parlamentares ligados às milícias estão o tempo todo ocupados em construir o controle territorial, econômico e político-eleitoral das suas áreas. É assim que se retroalimentam, se fortalecem e ampliam seu poder.

O caso de Marielle foi emblemático e teve repercussão internacional. Os culpados foram apontados porque houve uma forte determinação política. Uma coisa é identificar e levar a julgamento os assassinos da vereadora e de Anderson Gomes; outra é enfrentar uma organização consolidada e disseminada pelo território nacional, com várias gerações, muitos votos e infiltrada em todas as instâncias políticas.

Para confrontar a milícia no Rio e a Rota em São Paulo é necessário bater de frente com os políticos e com os militares, mas não vejo vontade política para combater e desmontar essas estruturas. Isso depende da aliança de forças que estão no poder.

Como o Brasil não fez a lição de casa como ocorreu na Argentina, no Uruguai ou no Chile, aqui a ação de alguns grupos militares ensejou os grupos de extermínio e depois as milícias. Nos países mencionados, os crimes da ditadura foram punidos, com a condenação e prisão de torturadores e assassinos. Entre nós, tal estrutura permanece intocada e continua fazendo o que sempre fez, como a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023.

Por tudo isso, é preciso olhar muito criticamente o percurso e as ligações dos candidatos que disputarão as eleições deste ano, sob o risco de seguir validando esse esquema.


A conversa

José Cláudio Souza Alves, Doutor em sociologia, professor e autor do livro “Dos Barões ao extermínio: uma história de violência na Baixada Fluminense”, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFFRJ)

Este artigo foi republicado de The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original .

spot_img