O Brasil contabilizou, em 2020, mais de 200 mil internações causadas por doenças de veiculação hídrica — provenientes de água sem tratamento. Os dados são de um estudo feito pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) e servem para ilustrar as complicações ocasionadas pela água contaminada. Cólera, diarreia, leptospirose e hepatite A são apenas alguns exemplos dessas doenças.
A transmissão ocorre como resultado da falta de saneamento básico, poluição da água e más condições de higiene, segundo o infectologista Hemerson Luz. Ele mostra preocupação com a falta de saneamento no Brasil e lembra que a água potável é elemento essencial para a vida.
“Quando não há segurança nos recursos hídricos, doenças como infecções intestinais causadas por bactérias, vírus e protozoários, além da hepatite A, e a própria dengue que se relaciona com a água empoçada que se torna um criadouro para o mosquito vetor podem também ter um impacto importante nas pessoas”, observa.
Um outro estudo, feito pelo Instituto Trata Brasil, revela que, apenas em 2021, foram 43,3 milhões de casos de pessoas afastadas de suas atividades cotidianas por causa de doenças de veiculação hídrica. Desse total, 26,3 milhões de casos foram de mulheres, a maior parte de jovens com sintomas de diarreia e vômitos.
A pesquisa do Trata Brasil também revela que as taxas de incidência foram mais altas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. No Nordeste, a taxa de incidência alcançou a marca de 238,1 casos a cada mil habitantes e no Norte, 204,4 casos por mil pessoas.
Saneamento: saúde para todos
O infectologista Francisco Job avalia o cenário da falta de saneamento básico como um problema grave de saúde para a população. Conforme o médico, parte da população brasileira tem esgoto e só metade desses esgotos são tratados.
“A outra metade é jogada na natureza, principalmente nos rios, sem nenhum tipo de tratamento. É uma situação típica de um país de terceiro mundo, um país subdesenvolvido, e que mantém diversas das nossas endemias, desde a esquistossomose até a dengue que nós temos hoje. Isso é associado com a coleta de lixo”, explica.
A presidente executiva do Instituto Trata Brasi Luana Pretto concorda. “A falta da rede de esgoto e o fato de não ter banheiro nas áreas rurais pioram ainda mais a situação. Muitas vezes a população tem uma fossa na sua residência, ou sequer uma fossa, só uma fossa negra e cavam um poço para buscar água, muitas vezes em regiões ao lado, de onde se está lançando esse esgoto bruto e isso traz todas as doenças associadas à falta de saneamento básico”, reforça.
Francisco Job também pensa assim: “Não basta só colocar água, fazer um poço, colocar uma cisterna. O ideal, principalmente para as mulheres, para as crianças, para as meninas é que tenha mais higiene, então tem que ter as instalações o que é hoje um grande déficit no Brasil”, pontua.
Números que comprovam
Segundo dados do Sistema Nacional de Informações do Saneamento (SNIS), 45,4% da população brasileira tinha acesso à rede geral de coleta de esgoto em 2010. Nesse ano, foram 603,6 mil internações por doenças de veiculação hídrica na rede do SUS, A taxa de incidência era de 31,6 casos a cada 10 mil habitantes.
Já em 2021, o percentual de pessoas com acesso à rede de coleta de esgoto havia subido para 55,8% da população e o número de internações caiu para 128,9 mil. Houve uma redução da taxa de incidência de 6,0 casos a cada 10 mil habitantes. Conforme o levantamento, isso indica uma retração de 80,9% na taxa de incidência de internações por doenças de veiculação hídrica no Brasil nesses 11 anos.
Na opinião do infectologista Hemerson Luz a situação precisa de mais atenção. “A diarreia com as suas diversas causas, as infecções de peles, as parasitoses intestinais podem ter repercussões graves, principalmente em crianças que estão convivendo com a insegurança alimentar, pois a desnutrição associada à falta de saneamento pode ter um impacto importante na qualidade de vida e na expectativa de vida dessas crianças”, alerta.
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil