Em 2007, o escritor capixaba Maciel de Aguiar publicou, dentre mais de uma centena de livros com depoimentos de afrodescendentes para resgatar suas memórias, um livro contando a história de uma princesa angolana da nação Cabinda, que foi capturada na África e chegou escravizada ao Brasil em 1690, para a Fazenda José Trancoso, em São Mateus, município onde nasceu e vive Maciel, indicado ao Prêmio Nobel de Literatura pelo conjunto de sua obra.
Conta a história que Zacimba Gaba, nome que Maciel tomou emprestado para sua filha, sofreu uma série de castigos e violências por parte do dono da fazenda, envenenou-o com o chamado “pó de amansar sinhô”, feito com veneno de jararaca, e liderou a fuga de escravizados e a fundação de um quilombo às margens do riacho Doce.
Zacimba Gaba era incansável e dedicou boa parte do seu tempo à construção de canoas e à organização de ataques noturnos no porto próximo à aldeia de São Mateus, libertando as pessoas pretas recém-chegadas como escravizadas.
Em setembro do ano passado, o nome de Zacimba Gaba, cuja história foi descoberta por Maciel na oralidade dos quilombolas que povoam o território mateense (método de pesquisa reconhecido por um dos maiores historiadores recentes, Eric Hobsbawn, que disse: “As palavras são testemunhas que muitas vezes falam mais alto do que os documentos“), foi dado a uma operação da Polícia Federal para libertar trabalhadores sob trabalho análogo à escravidão no Pará.
“Imagine: a mesma polícia que me torturou na juventude agora me homenageia adotando o nome de Zacimba Gaba para uma operação de libertação de escravos modernos”, comentou Maciel, reconhecendo, porém, que a Polícia Federal dos seus tempos de militância contra a ditadura militar era outra da instituição dos dias atuais.
OPERAÇÃO ZACIMBA
A Polícia Federal, em colaboração com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Superintendência Regional do Trabalho, deflagrou a Operação Zacimba Gaba entre os dias 28 de agosto e 1º de setembro de 2023, com o objetivo de combater situações de trabalho análogo à escravidão no interior do Pará.
Durante a operação, foi possível resgatar um adolescente de 15 anos que estava submetido a essas condições de trabalho. O jovem fazia parte de um grupo de mais de 200 trabalhadores flagrados em várias irregularidades trabalhistas em cinco fazendas diferentes, localizadas em Capitão Poço, Garrafão do Norte, Tomé Açu e Terra Alta. Em cada uma dessas fazendas, uma pessoa será responsabilizada por meio de um inquérito policial e um procedimento do MPT.
Funcionários das plantações de açaí, dendê e soja que foram encontrados não dispunham de equipamentos de proteção adequados, nem tinham contratos de trabalho formalizados. Eles residiam em alojamentos irregulares, com instalações elétricas precárias e banheiros inadequados, além de não haver controle de horário.
O adolescente foi imediatamente afastado das atividades, e as autoridades públicas estão tomando medidas para assegurar a reparação de seus direitos. Além disso, os aproximadamente 225 trabalhadores identificados também receberão assistência do Ministério do Trabalho (MT) e do Ministério Público do Trabalho (MPT) para garantir que sejam indenizados e que tenham seus direitos trabalhistas respeitados. As investigações da Polícia Federal continuam em andamento.