A articulação entre a saúde mental e a economia solidária representa uma construção no caminho para a inclusão social de usuários que sofrem de algum transtorno mental e são atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), dentro da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), em especial dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).
Quem visita o CAPS Cidade, localizado no primeiro andar da Superintendência Regional de Saúde Metropolitana de Vitória (SRSV), em Cariacica, logo percebe que a economia solidária entre os usuários é bem expressiva. Já no corredor do Centro de Atenção Psicossocial, antes ainda da porta de entrada, estão expostas algumas telas artísticas de autoria dos pacientes que realizam tratamento no local. É só o começo dessa “galeria de arte”.
No ambiente interno do CAPS Cidade, nas paredes, as telas mostram pinceladas abordando várias temáticas elaboradas pelos pacientes que fazem parte do grupo informal chamado “Criart”. Cada tela traz um valor financeiro que varia entre R$ 40 e R$ 100. Os valores são pagos diretamente ao artista e uma taxa de 10% é repassada ao projeto para a compra de materiais de produção.
O superintendente da Superintendência Regional de Saúde Metropolitana de Vitória, Heber Lauar, ressalta a importância da arteterapia promovida dentro do CAPS Cidade. “Esse trabalho permite, além da inclusão social, a desmistificação da saúde mental, proporcionando a reabilitação de pacientes em sofrimento psíquico, e trazendo a eles, a partir da produção artística, um valor social que ajuda a elevar a autoestima, até mesmo por meio da geração de renda que essas pinturas possibilitam a cada um dos participantes. Cada tela na parede representa um caminho de pertencimento desses pacientes dentro da sociedade”, enfatiza.
A coordenadora do CAPS Cidade, Adriana Lúcia de Souza Zoppi, explica que a economia solidária vem justamente como possibilidade de combate a esse estigma na área da saúde mental, tendo como princípios a autonomia e a emancipação dos usuários, por meio do fazer que inclui a produção e a expressão de sentidos, pela via da arte e da inclusão social.
“O foco é a produção coletiva, com divisão justa e cooperada. Isso significa que os próprios usuários são gestores de todo o processo, desde a escolha e compra de materiais, a precificação, a escala e venda do produto, até a definição dos critérios para a divisão do dinheiro”, frisa Adriana Zoppi.
A assistente social, referência técnica do setor de Tratamento Fora do Domicílio (TFD) na SRSV, Eliane Pereira da Silva, aprecia muito as obras artísticas feitas pelos usuários do CAPS Cidade. “São muito significativas as artes que os pacientes produzem e não só as pinturas. Além da beleza estética, são de qualidade e bonitas de se ver. Eu já comprei várias peças fabricadas pelas mãos criativas dos pacientes. Na minha casa tenho muitos quadros deles nas paredes, algumas paisagens mostram ícones presentes em nossa rotina no Espírito Santo. Tenho um, inclusive, de um caminho que leva ao mar, com muito verde, lindo! São pinturas expressivas que deixam a nossa casa mais bonita”, contou.
Tamanho e tempo definem o valor
A usuária do CAPS Cidade, Sônia Jesus da Cruz, conta que pintar as telas ali dentro ajuda muito no tratamento dela. “Eu me distraio com os pinceis e as tintas, embora me lembre de algumas coisas tristes, também recordo de momentos muito bons. E quando alguém faz uma encomenda de uma tela que eu pintei, a Adriana (coordenadora do CAPS Cidade) liga para a minha filha, que fala comigo, e nós três definimos um preço para a obra”, disse.
Maria Eunice Gonçalves Ferreira Prates também pratica pintura em tela e conta que aprendeu a pintar com outro paciente, Bispo Lessa, precursor da arte no CAPS Cidade. “Gosto de pintar tulipas e fazendas. Minha casa está cheia de quadros. Para definir o preço, também peço a ajuda da Adriana”, afirma.
Já Igor Dias dos Santos usa como critérios de precificação de suas telas o tempo gasto para pintar e o tamanho. “Gosto de retratar mulheres, como a Frida Kahlo. Mas algumas obras não vendo de jeito nenhum, porque elas não têm preço, são muito especiais para mim”, conta.
Leomar Silva só gosta de pintar suas telas no final de tarde. “Eu mesmo dou o preço e vendo, faço a negociação. O que define o valor é o tamanho. E se o trabalho é mais puxado, custa mais caro”, comenta.
Exercício de cidadania
A coordenadora Adriana Zoppi lembra ainda que as ações do CAPS Cidade seguem as diretrizes definidas pelo Ministério da Saúde (MS), como a promoção de contratualidade; o fortalecimento do protagonismo de usuários e familiares e as ações de reabilitação psicossocial, desenvolvendo iniciativas articuladas com os recursos do território nos campos do trabalho/economia solidária, visando à produção de novas possibilidades para projetos de vida que garantam o exercício de direitos de cidadania dos pacientes, entre outras coisas.
“A geração de renda promovida é pautada pela Política de Economia Solidária, seja por meio do grupo ‘Criart’ ou mesmo pelo bazar. O objetivo é alcançar, com os usuários, os resultados definidos pelo Ministério da Saúde, que difere da lógica capitalista do lucro. Aqui o que prevalece é o cooperativismo e o trabalho coletivo”, destaca Adriana Zoppi.