O governo norte-americano deseja que o Brasil integre a Mineral Security Partnership (MSP), uma associação internacional cujos membros buscam garantir fornecimento estável de matérias primas para que suas economias possam fazer frente à transição energética. Foi o que manifestou o secretário-adjunto do Departamento de Recursos Energéticos americano, Geofrey R. Pyatt, que esteve recentemente em missão no Brasil para discutir questões de segurança energética, transição energética e cooperação em minerais críticos com os setores público e privado. Em setembro de 2023, a MSP era composta por: Austrália, Canadá, Estônia, Finlândia, França, Alemanha, Índia, Japão, Coreia do Sul, Suécia, Noruega, Reino Unido, Estados Unidos e União Europeia. Os membros assumem o compromisso com altos padrões ambientais, sociais e de governança corporativa<\/a> (ESG).
O secretário visitou Brasília e Belo Horizonte (MG), onde se reuniu com autoridades federais para abordar o panorama energético do Brasil e seu potencial. Em Brasília, Pyatt manteve encontros com representantes dos Ministérios de Minas e Energia, Relações Exteriores e Desenvolvimento, Indústria e Comércio, bem como com as Secretarias de Transição Energética Nacional e Planejamento, Geologia, Mineração e Transformação Mineral, e Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, além de ter participado de reuniões com a Agência Nacional de Energia Elétrica e a Agência Nacional de Mineração. Em Belo Horizonte, ele manteve conversações com representantes do governo mineiro, Fiemg, IBRAM, AmCham Minas Gerais e lideranças do setor privado (Ibram, Vale, CBMM, Sigma Lithium, Hexagon) envolvidos com a produção de minerais estratégicos e energias.
Durante as reuniões, Geofrey Pyatt reforçou a intenção do governo norte-americano de compartilhar interesses em segurança e transição energética, e de promover oportunidades de colaboração, “especialmente em descarbonização, energia limpa e cadeias de suprimento”, admitindo que os EUA estão atrasados nessa corrida, “porque fomos superados pela sobreposição de um país em um país e esse país, a China, desempenhará um papel habitual na cadeia de abastecimento global. Mas não é sustentável, não é seguro ter mais de 90% de terras raras ou materiais de processamento vindos de um país, para não mencionar todas as outras cadeias de fornecimento de tecnologia limpa e de minerais críticos”.
Em sua visita a Belo Horizonte o secretário concedeu uma entrevista exclusiva a Brasil Mineral, realizada pelo conselheiro Renato Ciminelli, que considera a visita de Pyatt como de grande relevância, diante do potencial do Brasil para o fornecimento global de minerais críticos e o interesse do Governo Americano de fortalecer as relações de cooperação com o Governo Federal e o Estado de Minas Gerais no contexto da iniciativa MSP.
O entendimento de Ciminelli é que, com esta visita, os Estados Unidos abrem uma grande porta para o Brasil no mercado internacional de minerais e materiais críticos através de engajamento ao Minerals Security Partnership. Também, que essa entrada deve pressupor uma grande frente institucional brasileira, incluindo governos, empresas privadas e setor científico e acadêmico de relacionamento com os Estados Unidos e o MSP. Confira os principais pontos da entrevista.
BRASIL MINERAL – Quais são os principais objetivos desta sua missão ao Brasil?
GEOFREY PYATT — Meu principal objetivo nesta viagem é elevar e acelerar nossa cooperação com o Brasil em toda a gama de insumos de transição energética, minerais críticos mais importantes, minerais estratégicos, onde o Brasil está bem-posicionado para desempenhar um papel de liderança global como um país que tem alguns dos recursos mais promissores em minerais para transição energética e que tem um setor industrial e de processamento em rede e muito claro. Nossa visão para o futuro não é ver o Brasil como um país de extração mineral, mas como um país de processamento e fabricação. E também vemos para o Brasil um papel em todo o espectro de tecnologias de descarbonização. Então, vemos possibilidade de parceria em áreas como hidrogênio verde, eletrólise, sistemas de armazenamento de baterias, evolução do ecossistema de baterias. Estivemos falando hoje com uma empresa brasileira que tem uma química de bateria de carregamento rápido otimizada para ônibus. Esse é o tipo de inovação que queremos ver continuar e encontrar parcerias comerciais. Também conversamos em Brasília com o Ministério de Minas e Energia sobre todos os interesses compartilhados. Temos grandes produtores de energia fóssil. Nossas empresas produzem grandes volumes de petróleo e gás e vão continuar. Então, temos a responsabilidade de produzir esse petróleo e gás da forma menos prejudicial possível ao clima. Mas o setor dos minerais estratégicos é o verdadeiro foco. Portanto, muitas das minhas discussões em Brasília foram focadas em como trabalhamos juntos em nível federal global, de governo para governo. Mas estou muito animado por vir também a Minas Gerais, uma região que é líder mundial na extração mineral, para conversar com o tipo de empresa com que me encontrei esta manhã, que entendem onde estão as oportunidades, para entender o que sabemos e como mobilizar capital e off-take para ajudar a indústria a crescer no Brasil. Isto é importante para o aprofundamento da parceria entre empresas americanas e produtores brasileiros, empresas de processo e extração. Também é importante para os outros parceiros internacionais com quem trabalhamos: Coreia, Japão, União Europeia, Austrália, Canadá, Índia. Porque esse problema é global. A crise climática é algo que nenhum país pode resolver sozinho. Os Estados Unidos representam cerca de 11% das emissões globais de CO2, por isso ou descarbonizamos amanhã ou não resolveremos a crise climática. Temos que ajudar o resto do mundo. Esta é uma área em que o governo do presidente Lula está totalmente aliado ao presidente Biden. Mas também o Brasil é líder mundial há muitos anos, na linha de ser um país limpo.
BRASIL MINERAL — Há uma discussão polêmica no Brasil sobre a questão de exportar minério bruto, no caso do lítio. A sociedade brasileira pergunta: por que não produzir o material transformado?
GEOFREY PYATT – É preciso considerar que o processamento consome muita energia. E é muito melhor que esse processamento aconteça de forma limpa, com energia eólica, solar e hidrelétrica, ao invés do carvão, como acontece em alguns outros países.
BRASIL MINERAL – Quais são os minerais alvo para os Estados Unidos nesse processo?
GEOFREY PYATT – Fizemos a parceria de segurança mineral, que é a principal iniciativa do Departamento de Estado para a diversidade e melhor segurança na cadeia global de fornecimento, de minerais críticos como lítio, níquel, zinco, cobre e terras raras. Também falamos sobre nióbio.
BRASIL MINERAL – Qual a forma de promover o investimento de empresas americanas no Brasil para os minerais e materiais críticos?
GEOFREY PYATT — Estamos falando sobre isso e procurando atrair investimentos para essas oportunidades, porque temos imperativos. Precisamos entregar o melhor volume possível desses materiais. A CEO da Sigma Lithium disse que precisamos de 30 Sigma Lithium para atender à demanda. Precisamos muito cumprir as metas de transição energética. Precisamos de quarenta vezes mais lítio em todo o mundo. Precisamos de mais cobre do que temos em mente. Enfrentamos uma baixa de mercado e poderemos não ter esses materiais para continuar a acelerar a nossa transição energética da forma que temos que fazer para resolver a crise climática e manter a meta de 1,5ºC de mudança de temperatura. Então, o MSP não é sobre os Estados Unidos, mas sobre a coalizão de 14 países mais a União Europeia, representando mais de cinquenta por cento do PIB global. Temos o foco muito forte em um primeiro princípio, que é o compromisso que partilharemos com a manutenção de elevados padrões, políticas ambientais, sociais e de governança. É aqui que o Brasil e os Estados Unidos são aliados perfeitos, porque são democracias que têm pressão da sociedade para cumprir com o ESG. Portanto, vemos o MSP como uma opção perfeita para o caminho que o Brasil deseja percorrer. Vemos o Brasil como um país produtor, mas também como um grande investidor global. É um país manufatureiro competitivo global, um país com empresas como a Vale, agora presente globalmente. Essa foi a parte muito importante das minhas conversas em Brasília, assim como em Belo Horizonte: entender melhor como a indústria no Brasil é vista, as oportunidades e penso na força que trazemos para o relacionamento Brasil e EUA. Comemoramos este ano 200 anos de nosso relacionamento. Empresas de energia como a General Electric, a Exxon Mobil, estão presentes no Brasil há muitos anos, desde o início da experiência da industrialização. Foram empresas americanas e tecnologia americana que contribuíram para essa industrialização e queremos continuar com isso.
BRASIL MINERAL – O senhor mencionou que o objetivo de vir aqui é inaugurar uma cooperação mais forte. Isso inclui a área científica?
GEOFREY PYATT — Vamos melhorar e promover uma frente de relacionamento entre os EUA e o Brasil. Vamos falar desse exemplo da empresa que conheci hoje (referindo-se à CBMM). Eles trabalham com nióbio e há um parceiro tecnológico original que foi hospedado na Universidade do Texas, onde foi feita a descoberta sobre o uso de nióbio no armazenamento de baterias. E essa parceria tecnológica continua até hoje. Temos prazer em ver esse tipo de parceria se multiplicar em ambas as direções. Porque o Brasil possui uma grande quantidade de capital intelectual e o estado de Minas Gerais uma enorme quantidade de capital intelectual nessas áreas. Lembrei-me disso ontem quando quis visitar o Lab Fab e ver o que está acontecendo lá, os ímãs permanentes do processamento de terras raras. Estes são setores onde os Estados Unidos não são uma potência mineira global, embora tenhamos uma mineração doméstica significativa.
Portanto, num momento em que o mundo busca um grande aumento nos volumes desses materiais, o Brasil tem uma oportunidade única de alavancar isso. É a sua capacidade, o seu conhecimento industrial, com a sua expertise em gestão corporativa. Conversando com a CEO da Sigma Lithium, ela falava sobre suas operações ao redor do mundo e as decisões de investimento que ela está tomando. Então é realmente muito importante um relacionamento. Queremos que os brasileiros sejam uma escolha de parceiro nessa questão de minerais estratégicos.
BRASIL MINERAL – Qual é o status do MSP e como o Brasil poderia fazer parte?
GEOFREY PYATT – Nossa bandeira inclui várias coisas. Uma delas é como temos agora sucesso institucional do MSP. Neste verão, os EUA estão transferindo a presidência do MSP para a Coreia e isso reflete nosso entendimento de que esta é uma organização internacional, que não é uma iniciativa americana, mas internacional. Mais da metade do PIB global está representada. Também fomos encorajados pelos colegas europeus, que acabaram de lançar uma iniciativa paralela chamada Fórum MSP, que é essencialmente um local para os países produtores conversarem com os membros do MSP sobre oportunidades. Portanto, esta é uma oportunidade para reunir todas as instituições financeiras dos EUA ou JBIC do Japão e organizações similares de todos os parceiros para fazer crowding no financiamento de projetos específicos.
Com relação ao Brasil, acho que a pergunta deve que ser feita para o Governo Brasileiro. Teremos o maior prazer em ter o Brasil como parceiro pleno, assim como a Índia ou o Canadá, a Austrália ou a União Europeia, o Japão, a Coréia. Mas essa é uma decisão que o Brasil deve tomar. Consideramos o Brasil um grande valor, mas também é aquela adesão que traz uma grande oportunidade para o Brasil. São oportunidades para empresas como aquelas com quem me encontrei hoje para levar a sua presença a todos os parceiros internacionais. Mas esta é uma decisão brasileira. E se o Brasil não se associar formalmente ao MSP, teremos o maior prazer em continuar o tipo de envolvimento político global sênior que estou trazendo ao Brasil esta semana. De fato, minha intenção com esta visita é acelerar e elevar esse envolvimento, porque acho que é realmente muito importante para nós e uma oportunidade fantástica para ambos. Há muita coisa que os Estados Unidos e o Brasil podem fazer juntos nas áreas das quais sou responsável, que é a energia, a segurança energética, a transição energética. O Brasil pode trazer para a mesa não apenas seus ativos, mas também a visão compartilhada que o presidente Lula e o presidente Biden têm, de que precisamos avançar e acelerar a transição energética.
Por: Francisco Alves