O inesperado bate à sua porta e a intranquilidade se instala. A novidade bota medo. Eu estava quieto no meu canto e você aparece sem prévio aviso. Lá no meu cantinho estava tudo organizado: a pressão era oito por doze; o tic-tac do coração estava sempre perto dos oitenta por minuto; o sono era regulado e durava cerca de sete horas noite; o pesadelo também não sofria mudança e o despertar cônscio da lucidez provava que o estado de loucura não ultrapassava o marco entre o adormecer e o acordar.
A campainha do coração avisa que o intruso chegou. Por favor, pode entrar e fique a vontade, se é que isto é possível nestas circunstancias e ocasiões. A propósito, o que vieste fazer aqui? Para cá se rumou por que quis ou foi mandado? A resposta não vem e a ansiedade é consequente. O poder de concentração não é o mesmo e noto que as coisas não estão na mesma ordem no meu canto: a pressão subiu; o coração parece sair pela boca; a insônia esquecida dá as caras e a desordem vista é o pesadelo.
Eu não acredito que você é quem penso que és. O papai Noel nunca me foi apresentado. Na mula sem cabeça ninguém ficou oito segundos. Até hoje não se sabe se o saci perdeu a perna em acidente de trabalho ou se foi na linha do trem. Estas razões me fazem duvidar da existência de tão renomadas figuras.
E você, salvo o engano que o caso requer, também não tinha estado aqui no meu canto.
Você esta me dizendo que a visita é do meu interesse? Olha, com toda vênia, só eu mesmo posso dizer do que preciso. Neste momento a sua presença esta sendo inconveniente, pois o dever me chama. Este é o seu problema. O que? Tendes a coragem de me dizer com o que me ocupar? Dar atenção a você é o melhor a fazer? Tudo bem; podes ficar. Fui com a sua cara e a conversa é agradável. Se não é pedir demais poderias ao menos falar seu nome. Pode me chamar como quiser. A palavra em si não quer dizer nada.
Já que você se acalmou e o risco do coração pular de dentro de si é menos provável eu vou te dar a pista de bandeja. Eu sempre estive por perto, porém, a mim não botaste reparo. Agora que resolvi aparecer vestido de beleza, delicadeza, carinho, compreensão, etc. e tal, você sente a minha presença. Viu a sutileza da coisa? Não se chama pelo nome, simplesmente sente. Só tem uma coisa que necessito falar. Eu não vou embora por que quero. Depende de você. A decisão fica contigo. Posso até ser intrometido, entretanto, fui bem educado. É evidente que não armo barraca onde não sou bem vindo.
É ruim te mandar embora. Depois que descobri que sentir você dá mais sentido ao meu canto; que estou feliz; que tudo é tão bom. Fique mais; se instale de vez; tire a roupa; siga-me por onde quer que eu ande.
Texto: Creumir Guerra
Creumir Guerra é Promotor de Justiça no Estado do Espírito Santo
Veja mais sobre Creumir Guerra