Menina de 10 anos disse que era estuprada pelo tio desde os seis anos. Acusado já foi indiciado pelo crime, mas segue foragido.
Por Any Cometti e Luiza Marcondes, G1 ES
A Ordem dos Advogados do Brasil no Espírito Santo (OAB-ES) se posicionou, neste sábado (15), sobre o caso de uma criança de 10 anos que engravidou depois de ser estuprada, em São Mateus, no Norte do Espírito Santo. A instituição declara que o procedimento é urgente e não é necessária uma decisão judicial para que o aborto seja feito.
A série de abusos sexuais que a criança sofreu desde os 6 anos se tornou pública no último sábado (8), quando a menina, acompanhada de um familiar, deu entrada no hospital Roberto Silvares, em São Mateus. Ela informou ter sido estuprada pelo tio e estar com sintomas de gravidez. Um exame comprovou a gestação de aproximadamente 3 meses.
Após a descoberta da gravidez, a menina foi levada para um abrigo da prefeitura. O agressor fugiu e ainda não foi localizado pela polícia.
Nesta sexta-feira (14), o Juízo da Infância e da Juventude da Comarca de São Mateus emitiu uma nota informando que a criança está recebendo acompanhamento e que “todas as hipóteses constitucionais e legais para o melhor interesse da criança serão consideradas”, se pautando na “legislação vigente, sem influências religiosas, filosóficas, morais, ou de qualquer outro tipo que não a aplicação das normas pertinentes ao caso”.
A OAB disse que está em contato com os advogados que atendem a família. O presidente da seccional Espírito Santo, José Carlos Risk Filho, defende que não é necessária uma decisão judicial para que a gravidez da criança seja interrompida.
“Não precisa de uma decisão judicial para esse caso. Não existe, ao meu ver, nenhuma ilegalidade em praticar essa interrupção [da gravidez] hoje, inclusive sem decisão judicial. Não estou falando de nenhuma religião. A lei tem que ser aplicada”, declarou Risk.
De acordo com o Código Penal Brasileiro, de 1940, o aborto é permitido em três casos: gravidez decorrente de um estupro; risco à vida da gestante; e anencefalia do feto. Nos casos de gravidez decorrente de estupro, o procedimento pode ser feito até a 22ª semana de gravidez ou feto pesando até 500 gramas.
Neste sentido, Risk afirma que é preciso uma decisão urgente sobre o caso porque o procedimento não pode ser adiado. “Imagina o trauma dessa criança, com 10 anos, vendo o corpo inchar por causa de uma gravidez? Sabemos que a interrupção gera outro trauma, mas ter esse bebê, sem estrutura física e emocional, é algo muito difícil”, afirma o presidente da OAB.
O presidente da seccional ainda informou que, nos último anos, o Espírito Santo registrou cerca de 150 casos de crianças menores de 14 anos grávidas.
“Se temos esse índice altíssimo de crianças que engravidam, é possível que os índices de estupros sejam muito grandes, dado o número da gravidez na infância. Isso chama atenção para que nós, além de respeitarmos o direito à interrupção, tenhamos ações para que essas famílias se atentem para os estupros”, alertou Risk.
Hospital Roberto Silvares, em São Mateus, no Espírito Santo — Foto: Frideberto Viega/ TV Gazeta
Análise da Justiça
Na última quarta-feira (12), a secretária de Assistência Social de São Mateus, Marinalva Boedel, disse, em entrevista para TV Gazeta, que a interrupção da gravidez estava sendo analisado pela Justiça.
A defensora pública Ana Rita Prata, que atua em São Paulo, explicou que o aborto de gestação decorrente de violência sexual é regulamentado por uma Norma Técnica do Ministério da Saúde e não exige a apresentação de Boletim de Ocorrência e nem e autorização judicial para que o procedimento seja feito. A intervenção da Justiça nesses casos só deve acontecer caso a vítima, que é menor de idade, não tenha um representante legal.
Coletivos se manifestam
Uma nota pública divulgada na tarde desta sexta-feira (14) pela Frente pela Legalização do Aborto do Espírito Santo (FLAES) e assinada por vários outros grupos defende a prática do aborto nesse caso.
“Essa gestação é fruto de uma violência sexual gravíssima. A saúde da menina foi violada, tanto emocional, social e fisicamente. Será, uma violação ainda maior, se a interrupção dessa gestação não acontecer”, diz o documento.
TJES
De acordo com o TJES, a criança encontra-se devidamente assistida, recebendo todo o acompanhamento médico, psicológico e social que a ocasião demanda. Ela está em uma abrigo da prefeitura.
O Tribunal de Justiça estadual disse ainda que o processo tem recebido imediato andamento e pronta atuação pelo Ministério Público.
“Informações que não correspondem com a realidade têm influenciado a opinião de toda a sociedade, mas, pelo compromisso que este Juízo tem com o sigilo que resguarda o melhor interesse da criança, inclusive imposto legalmente, não serão revelados, em que pese eventual julgamento negativo e equivocado contra o Poder Judiciário. Neste momento, o direito à privacidade da criança e de sua família revela-se absoluto. Este é o compromisso do Poder Judiciário.”, diz a nota do TJES.
Crime
O estupro chegou ao conhecimento da polícia no sábado (8), após a criança dar entrada no Hospital Roberto Silvares, em São Mateus, com sintomas de gravidez.
A menina contou que era abusada desde os seis anos de idade por um tio e que não denunciou o crime porque era ameaçada por ele.
A gravidez, de cerca de três meses, foi confirmada por um exame de sangue.
Suspeito foragido
O inquérito que investigava o caso foi concluído nesta quinta-feira (13). O suspeito já foi indiciado pelos crimes de ameaça e estupro de vulnerável, ambos praticados de forma continuada, mas ainda não foi encontrado. Um mandado de prisão preventiva contra ele foi expedido e o homem é considerado foragido.
Família
A secretária de Assistência Social de São Mateus contou que a família da criança era atendida por uma das unidades do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) da Prefeitura de São Mateus.
Os familiares, segundo ela, eram participativos nas atividades e não davam indícios de “desestruturação”
“Essa criança vivia em família extensa com os avós. Nossa equipe fazia o acompanhamento dessa família no CRAS, é uma família que participativa e era ativa nas atividades. A criança e a família nunca apresentaram algum indício desses abusos ou violações. Nossa equipe técnica ficou muito surpresa com o caso.”
A secretária afirmou ainda que a criança já foi integrada na rotina do abrigo e já está em contato com as outras crianças que vivem no local.
MPES
O Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES), por meio da Promotoria de Justiça da Infância e Juventude de São Mateus, informou que “acompanha e atua desde o início no caso em tela visando a proteção, saúde e resguardo dos direitos da vítima sem se submeter a influências externas de qualquer natureza”.
O órgão também Informou que todas as medidas para preservar e proteger a intimidade da criança devem ser tomadas, sob pena de responsabilização.
E reforçou que, por força da legislação da infância e juventude, casos que envolvem incapazes, crianças e adolescentes devem ser mantidos em total sigilo, cuja violação constitui ilícito civil e criminal.
Defensoria Pública do ES
A Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo (DPES) disse que está acompanhando o caso e analisando o processo e a adoção das medidas administrativas e judiciais necessárias para garantia dos direitos da criança, sua proteção, autonomia, saúde e preservação de sua imagem e identidade.
O processo está em segredo de justiça e a Defensoria Pública disse que não divulgará informações sobre o caso, evitando assim, a ilegal exposição da criança e eventual revitimização.