O prefeito Enivaldo dos Anjos não tem gabinete na Prefeitura de Barra de São Francisco, não usa carro oficial, não recebe diárias quando viaja e ainda paga o combustível de seu próprio bolso. Esse jeito “inovador” do líder político da região Norte do Estado é destaque na coluna de Leonel Ximenes no jornal online de A Gazeta nesta terça-feira (24) e repercute nos meios políticos capixabas.
Veja o texto:
Ele é um veterano da política capixaba e voltou a dirigir seu município três décadas depois de ter ocupado a chefia do Executivo pela primeira vez, ainda no século passado. Fez campanha, elegeu-se e chegou ao cargo em plena pandemia da Covid.
Com os pulmões seriamente comprometidos pela tuberculose quando era jovem, fez a campanha toda de dentro de casa. Raras vezes teve contatos públicos e exigia em sua casa que todos entrassem de máscara. No dia em que foi eleito, fez uma breve aparição em cima de um caminhão e retornou para casa para se cuidar.
Quando assumiu, em 1º de janeiro de 2021, com a pandemia no auge, ainda não havia vacinas e ele não fez festa. Foi à Câmara dos Vereadores acompanhado de seu vice, sem convidados, apenas para a posse protocolar. E voltou para casa. Mesmo quando a pandemia amenizou, ele não mudou certos hábitos, como manter em sua própria residência o “gabinete de prefeito”.
Este é Enivaldo dos Anjos, 73 anos, prefeito de Barra de São Francisco. Apesar de ser uma situação inusitada, o veterano político – que teve cinco mandatos de deputado estadual e foi conselheiro do Tribunal de Contas por dez anos – não vê nenhuma vantagem no que faz e relutou muito em falar do assunto.
“Não faço isso para aparecer, simplesmente não gosto de usar a estrutura pública. Sempre tive dificuldade com essas questões, porque acho que há exagero no uso dessas estruturas, não precisava ser da forma que é. E acho que no caso do prefeito, ele pode abrir mão desse privilégio de ter uma estrutura de gabinete dando despesas para o município, mas é um pensamento pessoal”, ressalva Enivaldo.
O prefeito de Barra de São Francisco explicou como aconteceu essa decisão de fazer de sua casa também seu gabinete: “Quando voltei para a cidade (ele era deputado estadual quando se elegeu prefeito), aluguei um apartamento no segundo andar de uma casa. O apartamento debaixo desocupou, era de frente para a rua e resolvi também alugá-lo, montando ali meu escritório, com minhas fotos, meus documentos históricos. E pago tudo isso com o meu próprio dinheiro, não gasto dinheiro da prefeitura com isso.”
Segundo Enivaldo, quando assumiu o mandato ele foi visitar o prédio antigo da prefeitura, o mesmo que ocupou de 1989 a 1992 quando foi prefeito pela última vez: “Fui lá e vi que não tinha a menor condição de trabalho, de reunir e atender as pessoas. Foi quando levei adiante a ideia de atender em casa. Nosso pensamento era vender o prédio, que fica numa área comercial, mas fizemos dois leilões e não apareceu interessado”, lembra.
O prefeito disse que, ao atender em seu escritório, anexo à sua casa, junta “o útil ao agradável”, pois fica “praticamente 24 horas por dia disponível para atender as pessoas”. No caso, Enivaldo sempre está em casa e sempre também está na Prefeitura. Viúvo, o prefeito mora sozinho, mas quase nunca está sozinho. “Sempre tem um amigo que vem à cidade e acolho aqui mesmo”, acrescentou.
Mas como fica o contato com os auxiliares e mesmo o acompanhamento de ações da Prefeitura, se o prefeito não sai de casa? “Hoje, com o advento da tecnologia, fica tudo mais fácil. Eu uso muito o recurso do WhatsApp. Falamo-nos o tempo inteiro e acompanho todas as obras e serviços dessa forma. Tudo que é feito eles fotografam e me mandam. De vez em quando faço visitas in loco, quando acho necessário. Mas isso em geral faço nos finais de semana”, observa.
No apartamento do térreo da casa onde mora, e que Enivaldo transformou no seu escritório pessoal e gabinete, ele preparou uma completa infraestrutura, inclusive com uma sala de imprensa onde trabalha sua assessoria e tem até um miniestúdio de rádio. Tem também sala de reuniões para até 40 pessoas. Lá ele recebe secretários, representantes da população, vereadores e até mesmo delegações em visitas ao município.
Uma situação que pode parecer inusitada, mas que acaba resultando em economia para o município é quando o prefeito recebe grupos para almoço ou jantar, que são feitos na cozinha de sua própria casa e servidos na varanda que dá vista para o Rio Itaúnas.
“Acho que tudo isso traz mais conforto para as pessoas, é mais prático e receptivo, porque é acolhedor. Otimizo o tempo. Faço meu trabalho sem me preocupar em usar infraestrutura pública. Quando viajo, não uso carro da prefeitura, uso o meu e não recebo diária. Vejo em tudo isso um progresso muito grande. Dou mais valor a investimento em infraestrutura para atender à população do que de trabalho para quem tem o privilégio de ter um salário bom e coisas próprias para não depender do que é público”, arremata.
Todas as contas da casa e do escritório transformado em gabinete são pagas do próprio bolso pelo prefeito, que, segundo informações da prefeitura, além de não receber diária e nem usar carro oficial, também paga o combustível que usa mesmo se viajar a serviço para Vitória, o que faz raras vezes – em geral, para encontros políticos com o governador Renato Casagrande (PSB).
Em qualquer outra atividade que deveria estar presente, manda representante. Em geral, seu fiel escudeiro Wanderson Melgaço, controlador-geral do município.
Mas e quando o mandato acabar? Enivaldo já sabe o que fazer e diz que ninguém precisa fazer o que ele faz por pensamento próprio. Por isso, depois de fracassarem as tentativas de vender o velho prédio da prefeitura, já encomendou um projeto de reforma, que começa em janeiro.
“Quem vier depois de mim vai encontrar um gabinete prontinho, com sala de recepção e sala de reuniões e poderá despachar na prefeitura como quiser. O que tinha lá não acompanhou o crescimento da cidade. Quem vier depois de mim vai poder trabalhar no seu gabinete”, finaliza Enivaldo, que já anunciou que não está disposto a concorrer à reeleição, preferindo dedicar os anos seguintes “à construção partidária em âmbito estadual com vistas a 2026”.
Enquanto isso, observa seu grupo político para colocar a mão sobre a cabeça de quem considerar digno de sua bênção política, como fez com o sobrinho Mazinho dos Anjos (PSD) eleito deputado estadual com 65% dos votos na região de influência do tio prefeito.